O inadmissível episódio do seqüestro de uma equipe do jornal O Dia por integrantes de uma milícia que atua numa favela da Zona Oeste do Rio foi tema de um acalorado debate na redação hoje. E, agora que a poeira baixou e os fatos já estão mais claros, resolvi escrever sobre o assunto.
Primeiro, acho muito infeliz a idéia de deixar uma equipe "morando" na favela, registrando as atividades de uma organização que, embora formada por policiais, é criminosa. O risco de operações como essa é enorme e vidas estão em jogo. E nunca há garantias de que o final será feliz. Como não foi dessa vez...
No debate, uma amiga me alertou que, uma vez paralizados diante dessa realidade - de assumirmos que não podemos cumprir pautas dessa natureza - estamos, todos, admitindo a falência do sistema de segurança pública. Admitindo, aliás, em caráter oficial, a partir do momento em que os gestores da segurança falam publicamente dos riscos envolvidos em coberturas dessa natureza, praticamente desaconselhando-as.
Concordo com ela.
Em parte.
Em parte porque faz tempo que nós, cidadãos e jornalistas, sabemos do quão arriscado é cobrir situações desse tipo. Essa falência da segurança pública do Rio de Janeiro vem de longa data, está longe de ser novidade. Basta olhar pra trás e ver que, há seis anos, Tim Lopes foi brutalmente assassinado ao tentar denunciar as barbaridades cometidas pelo tráfico de drogas numa outra favela da cidade.
Agora, no entanto, é diferente. Não se trata de tráfico. Trata-se das milícias, formadas por maus policiais, que exploram serviçoes e impõem "ordem" nas comunidades em que se infiltram. Uma realidade que não fazia parte do noticiário quando Tim foi morto.
Agora é diferente. É pior, mais grave! É vergonhoso notar que, em menos de uma década, esses grupos de bandidos fardados tomaram de assalto regiões que o Estado continuou a negligenciar. E é vergonhoso não apenas para o(s) governo(s), mas também para toda a sociedade. Porque esse novo estado de coisas nos mostra que nesses seis anos pressionamos menos do que devíamos ter pressionado para que essas comunidades recebessem a atenção e os investimentos que merecem. Pressionamos pouco porque só nos lembramos de fazê-lo quando nós, da classe média, acabamos vitimados. Quando a coisa é só com os "locais", ficamos chocados. Mas não tarda para que o reconfortante esquecimento bata e a gente siga na nossa vidinha "normal", de carros com película escura nos vidros, grades nas janelas e medo de errarmos caminhos e acabarmos dentro de uma favela numa noite qualquer dessas.
Assim, com essa mentalidade medíocre, deixamos a situação piorar tanto em apenas seis anos. Seis anos para "assumirmos oficialmente" uma realidade dura, triste e inaceitável, já velha conhecida por todos os que moram em periferias. E agora, além das três facções que brigam pelos pontos de venda de drogas, temos de enfrentar as milícias.
E agora? O que faremos para impedir que os próximos seis anos façam surgir mais um inimigo?
3 comentários:
"Sai do lixo a nobreza / Euforia que consome / Se ficar o rato pega / se cair o urubu come."
Estamos em xeque. O que fazer? Para onde ir? Comlicado... Parado não dá pra ficar...
Abs
Só tenho receio de que ao ficarmos culpando as vítimas por terem se arriscado tanto esqueçamos do mais importante: a brutal violência cometida pelos "homens da lei". É só pra pensar!
Não culpei as vítimas. Culpei a todos nós, como sociedade que, muitas vezes, silencia pra outras centenas de vítimas, que sofrem os desmandos dos tais "homens da lei" sem que, para isso, precisem se arriscar tanto. Sofrem apenas porque moram "sob o domínio do medo".
É só pra pensar. Também.
Bj!
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