28.1.15

O jeito nosso de cada dia...


Hoje, depois de longo e tenebroso inverno sem pegar um coletivo, retomei a relação com um exemplar da espécie. Tava tudo indo muito bem até eu perceber, menos de 100 metros depois do embarque, que o motorista simplesmente não conhecia o trajeto da linha. Mais: estava sendo guiado pelo cobrador.
Normal, pensei. Todo mundo precisa de auxílio quando começa num emprego novo. Relaxei. A viagem seguia com o trocador indicando os pontos para o piloto (esse é nosso! Nesse não, parceiro!) seguindo as indicações definidas pela prefeitura no tal do BRS - com o qual, aliás, também não tenho a menor afinidade, porque sou do tempo em que tudo que é ônibus parava em tudo o que é ponto, mas...essa é outra história...
Enfim, aquela espécie de curso prático de motorista seguia diante dos meus olhos quando, na Praia do Flamengo, veio o primeiro susto: o aprendiz de condutor queria fazer uma curva à esquerda - ignorando completamente o rumo a ser tomado. O cobrador, atento, corrigiu o equívoco e iniciou uma breve palestra sobre os limites de velocidade na praia do Flamengo. "Aqui é mais rápido andar de patinete ou carrinho de rolimão (sic) porque ninguém pode meter mais que 60", advertiu. Mas também não precisa andar a 30km/h, pensei, mas respirei fundo e me diverti com a situação. Primeiro dia, caramba. O cara tá inseguro. Super compreensível...
Eis que, no fim da Praia do Flamengo, o motorista novato não seguiu pela Praia de Botafogo. "Ih, me distraí, foi mal", gritou o cobrador-navegador, atrasado e ciente da confusão criada. 
- Que ônibus é esse, mermão? - berrou um passageiro.
- Não sabe dirigir, fica em casa! - advertiu uma senhora estressada e com voz de tenor.
- Pultaquimilpariu, resmungou o senhor que suava num terno no banco ao meu lado.
Não disse nada. A simpatia pelo motorista-de-primeira-viagem acabou, admito. Ele não tem culpa, claro. Mas não pode ser séria uma empresa - ou uma cidade - que permite uma situação dessas. Imagina um médico operando assim? Um engenheiro atuando assim? Não pode! Não dá!
"Quem quiser descer, desce aqui. É o jeito!", sugeriu o trocador, que também seria reprovado se estivesse sendo avaliado como formador de condutores. Puxei a cordinha e desci. Foi o jeito. O jeito que cada um de nós, o tempo todo, é obrigado a dar num país que se move aos trancos e barrancos; desprezando regras, leis, fluxos, processos; trocando tudo pelo jeitinho. 
Ê, Brasil...

13.1.15

Hildegard Angel, Silvia Pilz e as polêmicas do dia...


A produção de duas colegas de profissão assombrou boa parte do meu dia. Hildegard Angel escreveu em seu site sobre sua reação diante dos arrastões que enfeiaram o domingo de verão nas areias de Ipanema. Sob o impacto das tais cenas, a jornalista sugeriu que, em dias mais movimentados, ônibus vindos da Zona Norte fossem impedidos de chegar à Zona Sul. E mais: caso a medida não se mostrasse eficaz, Hilde defendeu a cobrança de ingresso para as praias do Leme, Copacabana, Ipanema e Leblon. Tá bom pra você?
Mas não parou por aí. Nas páginas de O Globo, Silvia Pilz publicou em forma de artigo um texto que mais parece saído de um dos monólogos de Caco Antíbes, o célebre personagem de Miguel Falabella no extindo "Sai de Baixo". Caco, vocês lembram, odiava pobres. E o texto da colunista faz crer que ela não está longe disso...
Enxovalhada pelas críticas, Hildegard Angel voltou ao site e escreveu o que, segundo ela, seria uma versão melhorada, com uma "revisão de conceito". Como os críticos não se calaram nem assim, a jornalista radicalizou: deletou a postagem e publicou no lugar a frase: "Acabou-se o que era doce, a vitrine cansou de levar pedrada por hoje...". Mas no facebook de Hilde, as pedradas continuam vindo de todas as partes.
Silvia Pilz não se manifestou. Em seu Facebook, respondeu a um dos (inúmeros) críticos dizendo que não se arrependia de "escrever com humor". Pois é, pode até ser, mas não prevejo uma noite fácil para as duas...
O meu assombro diante dos textos de Hildegard Angel e Silvia Pilz tem razão de ser. Sou mal acostumado, admito. Pequeno, lá pelos 9, 10 anos, lia Artur da Távola nas páginas do Caderno D de "O Dia", jornal que meu pai lia diariamente. No mesmo "O Dia", lia o Ronaldo Bôscoli falar de coisas que eu ainda não tinha maturidade pra entender perfeitamente. Mas lia. Admirava. Já devia ser um sinal da minha vocação esse apreço por quem sabia tratar bem as palavras...
Cresci lendo mais e mais. Maior - e, sobretudo, depois de já profissional - virei um fascinado pelos textos de gente como Veríssimo, Zuenir Ventura, Tutty Vasques, Xexéo, Dorrit Harazim, Elio Gaspari, Joaquim Ferreira dos Santos. Com o passar dos anos, tive a sorte de virar amigo de gente que já admirava pelo trato cuidadoso com as palavras, essa nossa matéria-prima tão cara. Gente como Fernando Molica e Flávia Oliveira. E, mais recentemente, tive a sorte de conhecer novos talentos desse gênero, como o Gregorio Duvivier. Por isso, sem sequer refletir sobre, associei desde sempre que colunista é aquele que tem o que dizer e sabe como dizer com clareza, beleza, respeito, coerência e ética. Colunista é quem tem compromisso com a sociedade; com sua melhora permanente; compromisso de combater preconceitos; de nos lembrar a todos dos momentos ruins que a história nos reservou para que possamos evitar vivê-los novamente lá na frente. Colunista é quem tem coragem de tocar nas velhas feridas sem que outras novas sejam abertas. Colunista é alguém que tem interesse por tudo. E que, exatamente por isso, parece-me um alguém sempre tão interessante... Triste constatar que, de uns tempos pra cá, pra ser colunista essas habilidades não parecem tão fundamentais. E mais triste ainda é perceber que esses profissionais que ocupam os espaços nobres dos jornalões influenciam tanta gente com seus textos cheios de preconceitos, estereótipos e desserviços. E depois os jornais não sabem de onde vem a onda crescente de insatisfação do público. Não sabem o porquê de estarem perdendo assinantes. E não sabem a origem da crise...

12.1.15

Sobre "Abraçar e agradecer", o show de 50 anos de carreira de MariaBethânia...


Quando chegaram ao fim os versos de "O que é, O que é", de Gozaguinha, eu me senti agradecido. Não pelo fim do show ou da música, mas por haver testemunhado um show tão comovente, tão delicado e poético. Mérito do talento e da trajetória de 50 anos - ora justamente celebrada - de Maria Bethânia, a maior intérprete desse nosso país de cantoras. Não quero dar detalhes, não quero estragar surpresas. Mas quero registrar aqui a lindeza desse espetáculo e a alegria de ver Bethânia em cena, senhora de si e dos palcos; menina que brinca e baila sobre o LED moderna com a desconfiança de quem ainda traz no peito, na alma e na voz o cheiro de mato e a poeira das estradas e das entranhas do Brasil sertanejo, baiano, tupiniquim. Brasil que dialoga com os orixás da África, com a canção de Piaf e com Clarice e Fernando Pessoa. Bethânia já era global antes de inventarem a globalização, porque nunca perdeu o laço que sempre a manteve unida a Santo Amaro da Purificação. Fala de todo o mundo, suas dores e amores, falando das coisas de sua aldeia. Voou alto esse carcará! E que siga voando e nos fazendo olhar sempre pro alto. Voando e nos levando. Voando e nos elevando. Salve Maria Bethânia, a mais brilhante das estrelas dos céus do Brasil!!! 

6.1.15

Esse nosso nós...

E vejo o teu sorriso; tradução da alegria, surpreendendo-me a todo tempo nessa enxurrada de pureza e doçura. 
Sinto seu abraço que, mais que o corpo, envolve e aquece a alma e o coração, a cada dia mais tocado e ocupado por você.
Provo teu beijo sereno, saboroso e delicado, que nunca cansa, que nunca é igual e que se repete sempre parecendo inédito. Parecendo o primeiro; o beijo inaugural de uma série de descobertas deliciosas que se escondem atrás de uma respiração, de um silêncio, de uma conversa, de um toque...
E então, dia a dia, vejo, sinto e provo o que é esse nós. O que somos. E aquilo em que poderemos nos tornar...