13.3.10

Teatro: sobre a estreia de 'Era no Tempo do Rei'...

Elenco posa para foto no Paço Imperial. Musical dirigido por João Fonseca estreou nesta sexta, no Teatro João Caetano.
Há uns dois anos, Ruy Castro lançou um romance em que tentava descrever como seria um encontro entre o Príncipe Pedro, herdeiro da Coroa Portuguesa, e o moleque Leonardo, criado nas ruas do Rio de Janeiro e saído das páginas de Memórias de um Sargento de Milícias. Hoje tive o prazer de ver ganhar vida essa história que me seduziu desde que a avistei nas prateleiras da livraria. E não poderia ter sido num local mais adequado: em pleno Teatro João Caetano, construído por Dom João VI.
Escrita por Heloísa Seixas e Julia Romeu - respectivamente esposa e filha de Ruy Castro - a comédia musical Era no Tempo do Rei tem músicas assinadas por Carlos Lyra e Aldir Blanc e ganha o palco exatos 200 anos depois do tempo da ação. Narradas por D. Maria, a louca, as aventuras de Pedro e Leonardo pelas ruas da Corte se dão num ritmo acelerado, pontuado por canções fortes, belas e inspiradas. E que contribuem muito para que o musical tenha, de fato, uma pegada brasileira.
O elenco é cheio de acertos! Saraya Ravenle, como Bárbara dos Prazeres, mostra que poderia ter enveredado pela carreira de cantora sem dever nada às maiores representantes brasileiras do ofício. Alice Borges, carismática e envolvente, cativa o público sempre que surge no palco com sua rainha louca. O sotaque português parece ainda pouco íntimo da atriz, mas não chega a atrapalhá-la. E tem uma graça especial o número em que ela surge no meio da plateia. Arranca boas risadas!
Entre os homens, o destaque absoluto é André Dias. Aliás, é impressionante o brilhantismo desse astro dos musicais nacionais, que já havia comentado aqui quando o vi em cena em Avenida Q. André é afinado, tem total domínio do corpo em cena e, o que é fundamental para quem sobe num palco, parece atrair o olhar dos espectadores. Assim, é fácil rir do seu jeito de franzir a testa ou de colocar a voz. Um ator completo e inteligente, que soube fazer de João Calvoso um anti-heroi adorado pela plateia.
Como Dom João VI, Leo Jaime também não faz feio. Só não leva muita vantagem porque o personagem, eternamente representado como o paspalho bonachão, realmente parece oferecer poucas oportunidades. Mas Leo se sai bem na empreitada: interpreta com segurança o Príncipe Regente.
Izabella Bicalho surge em cena bigoduda como Carlota Joaquina - e enfeiar a bela atriz é um grande mérito da equipe de caracterização do espetáculo. Bicalho está bem no papel, embora o sotaque castelhano dificulte a compreensão do texto em algumas passagens. O mesmo acontece com Tadeu Aguiar, este defendendo um Jeremy Blood de forte sotaque inglês. Problemas que talvez sejam típicos de uma estreia...
Os jovens atores que interpretam Pedro e Leonardo também dão conta do recado, com destaque para Renan Ribeiro, o Leonardo. Afinado e simpático, brilha no palco como o primeiro trombadinha da literatura brasileira. Tem futuro!
O único senão vai para a cenografia. Um fundo vermelho incompreensível permanece em cena o tempo todo e destoa do clima e do restante do cenário. Sem contar que, em alguns momentos, o fundo do palco fica exposto, de modo que é possível perceber a movimentação de atores e da equipe técnica do espetáculo. Sem falar de outros pequenos deslizes, como um conjunto de lampiões que não acenderam numa cena entre Dom João e Bárbara. Falha pequena - que também atribuo ao calor da estreia.
O espetáculo é alegre e envolvente. Debochado - como o texto de Ruy Castro - e atual. O inglês de Tadeu Aguiar diz em cena que a "primeira palavra que aprendeu no Brasil foi impunidade". E é impossível não pensar que, 200 anos depois do tempo da ação, essa mesma palavra ainda esteja tão presente em nosso cotidiano.
Eu recomendo! Era no Tempo do Rei é um espetáculo que faz rir e pensar no nosso país "puro e depravado" dos versos de Aldir Blanc...

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