Elenco posa para foto no Paço Imperial. Musical dirigido por João Fonseca estreou nesta sexta, no Teatro João Caetano. |
Há uns dois anos, Ruy Castro lançou um romance em que tentava descrever como seria um encontro entre o Príncipe Pedro, herdeiro da Coroa Portuguesa, e o moleque Leonardo, criado nas ruas do Rio de Janeiro e saído das páginas de Memórias de um Sargento de Milícias. Hoje tive o prazer de ver ganhar vida essa história que me seduziu desde que a avistei nas prateleiras da livraria. E não poderia ter sido num local mais adequado: em pleno Teatro João Caetano, construído por Dom João VI.
Escrita por Heloísa Seixas e Julia Romeu - respectivamente esposa e filha de Ruy Castro - a comédia musical Era no Tempo do Rei tem músicas assinadas por Carlos Lyra e Aldir Blanc e ganha o palco exatos 200 anos depois do tempo da ação. Narradas por D. Maria, a louca, as aventuras de Pedro e Leonardo pelas ruas da Corte se dão num ritmo acelerado, pontuado por canções fortes, belas e inspiradas. E que contribuem muito para que o musical tenha, de fato, uma pegada brasileira.
O elenco é cheio de acertos! Saraya Ravenle, como Bárbara dos Prazeres, mostra que poderia ter enveredado pela carreira de cantora sem dever nada às maiores representantes brasileiras do ofício. Alice Borges, carismática e envolvente, cativa o público sempre que surge no palco com sua rainha louca. O sotaque português parece ainda pouco íntimo da atriz, mas não chega a atrapalhá-la. E tem uma graça especial o número em que ela surge no meio da plateia. Arranca boas risadas!
Entre os homens, o destaque absoluto é André Dias. Aliás, é impressionante o brilhantismo desse astro dos musicais nacionais, que já havia comentado aqui quando o vi em cena em Avenida Q. André é afinado, tem total domínio do corpo em cena e, o que é fundamental para quem sobe num palco, parece atrair o olhar dos espectadores. Assim, é fácil rir do seu jeito de franzir a testa ou de colocar a voz. Um ator completo e inteligente, que soube fazer de João Calvoso um anti-heroi adorado pela plateia.
Como Dom João VI, Leo Jaime também não faz feio. Só não leva muita vantagem porque o personagem, eternamente representado como o paspalho bonachão, realmente parece oferecer poucas oportunidades. Mas Leo se sai bem na empreitada: interpreta com segurança o Príncipe Regente.
Izabella Bicalho surge em cena bigoduda como Carlota Joaquina - e enfeiar a bela atriz é um grande mérito da equipe de caracterização do espetáculo. Bicalho está bem no papel, embora o sotaque castelhano dificulte a compreensão do texto em algumas passagens. O mesmo acontece com Tadeu Aguiar, este defendendo um Jeremy Blood de forte sotaque inglês. Problemas que talvez sejam típicos de uma estreia...
Os jovens atores que interpretam Pedro e Leonardo também dão conta do recado, com destaque para Renan Ribeiro, o Leonardo. Afinado e simpático, brilha no palco como o primeiro trombadinha da literatura brasileira. Tem futuro!
O único senão vai para a cenografia. Um fundo vermelho incompreensível permanece em cena o tempo todo e destoa do clima e do restante do cenário. Sem contar que, em alguns momentos, o fundo do palco fica exposto, de modo que é possível perceber a movimentação de atores e da equipe técnica do espetáculo. Sem falar de outros pequenos deslizes, como um conjunto de lampiões que não acenderam numa cena entre Dom João e Bárbara. Falha pequena - que também atribuo ao calor da estreia.
O espetáculo é alegre e envolvente. Debochado - como o texto de Ruy Castro - e atual. O inglês de Tadeu Aguiar diz em cena que a "primeira palavra que aprendeu no Brasil foi impunidade". E é impossível não pensar que, 200 anos depois do tempo da ação, essa mesma palavra ainda esteja tão presente em nosso cotidiano.
Eu recomendo! Era no Tempo do Rei é um espetáculo que faz rir e pensar no nosso país "puro e depravado" dos versos de Aldir Blanc...
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