Há 10 anos no Rio de Janeiro, o paulista Paulo Cursino é autor de piadas que, certamente, já fizeram milhões de telespectadores rirem diante da TV nos mais diferentes cantos do Brasil. Redator de séries como "Sob Nova Direção" e de humorísticos como "Sai de Baixo", "Zorra Total" e "A Turma do Didi", Cursino também assinou o texto de especiais estrelados por ícones do humor na televisão brasileira, como Chico Anysio e Renato Aragão.
Neste ano, Paulo Cursino divide, com Marcelo Saback, o roteiro de "
SexDelícia", comédia que ganhará as telonas até o fim do ano. E, ainda na TV Globo, ele trabalha na criação de "
Batendo o Ponto", seriado que Ingrid Guimarães deve estrelar, no segundo semestre de 2010. Mas hoje, Paulo Cursino é quem bate o ponto no
B@belturbo para defender a liberdade do humor...
Paulo Cursino: Não. A única coisa que pode limitar o humor é a consciência de quem o faz. Se aceitarmos a idéia de que o humor precisa de limites cairemos em uma outra complicada questão que é: quem vai definir esses limites? A sociedade? O senso comum? Um dogma? Uma lei? O humor para cumprir a sua função deve ser livre e irrestrito, deve questionar e incomodar. Se um humorista ceder a quem se diz incomodado em breve terá que trabalhar de entregador de pizza. A liberdade, portanto, deve ser irrestrita. Claro que com isso estaremos sujeitos a ouvir muita bobagem, mas faz parte do jogo. Considero uma piada ofensiva um preço muito baixo a se pagar pelo o que a liberdade criativa pode nos proporcionar.
B@belturbo: Quais são, na sua opinião, os maiores tabus em relação ao humor? Ou qual o tipo de piada mais polêmico? E qual a sua opinião em relação a esses tabus? Paulo Cursino: Eu poderia enumerar vários, o próprio Tabet já mencionou o problema que há hoje em se fazer piadas com minorias, por exemplo, e detalhar mais do que isso seria chover no molhado. Gostaria de ir um pouco mais além nesta questão começando pelo o que há de mais óbvio sobre ela: os tabus são inevitáveis. Não existe vida social sem tabus e não há como o humor, que é uma manifestação social, ficar indiferente a eles. Ponto. Para mim nada é mais óbvio do que isto. E exigir que um humorista não toque em temas tabus é querer tirar do humor a sua principal função. É um contrassenso. Agindo assim, esta sociedade perde uma oportunidade rara de tocar em assuntos doloridos sob o efeito anestésico do riso.
Por isso não acredito em piadas polêmicas. Quem determina o que é polêmico é o público e não o humorista. A piada nunca passa de uma piada e não existe momento certo para aparecer. Qualquer hora é hora. O que pode existir, às vezes, é uma certa falta de sensibilidade e talento do humorista para criar uma piada decente que capte de forma correta o espírito de um momento. Parafraseando Oscar Wilde: não existe piada imoral, o que existem são piadas bem e mal contadas.
B@belturbo: Sobre que tipo de assunto você evita /não faz piada? Paulo Cursino: Não existe assunto sobre o qual eu não faça piada, procuro fazer piada sobre tudo. Mas tenho minhas particularidades e limites involuntários como todo mundo. Sou incapaz de fazer piadas sobre, sei lá, câncer infantil, só para usar um exemplo. Já ri de piadas de humor negro com este tema, admiro quem faz, mas sou absolutamente incapaz de criar uma sobre isso. Não porque me limito, apenas porque não está em mim, no meu estilo, na minha personalidade, fazer algo assim. Mas só por isso.
|
"Se você perguntar a dez pessoas o que é bom senso vai ouvir dez respostas diferentes. Bom senso nunca será consenso", diz Paulo Cursino |
B@belturbo: A sociedade / o público pode cobrar esse tipo de cuidado de quem se propõe a fazer humor? Paulo Cursino: Não, e nem o humorista pode se deixar ser cobrado. O que a sociedade pode fazer é criticar. A liberdade irrestrita é boa por isso, porque é uma via de duas mãos. Eu posso dizer o que quiser numa piada, mas a sociedade pode dizer o que quiser dela também. O que é inaceitável é pedir cabeça de humorista para emissoras, boicote, execração pública. Mais um pouco e logo estaremos dando razão a quem manda matar cartunistas porque seu profeta foi desenhado.
Não gostou da piada de um humorista? Pare de vê-lo, não leia o que ele escreve, não veja o que ele faz. Simples assim. Você não precisa chegar no cara e dizer "eu acho que você não deveria dizer isso" ou, como já ouvi várias vezes, "você não pode brincar com certas coisas!". Desculpe, mas não dá. Ninguém tem o direito de determinar o que eu posso falar.
Costumo dizer o seguinte: quer atingir um comediante stand-up que falou uma barbaridade no palco? Saia da sala. Mas aí alguém dirá: "pô, mas se eu sair da sala perderei as outras boas piadas que ele contar". Arrá! Eis aí então que surge o grande X de toda essa questão. Algumas pessoas riem às gargalhadas quando um comediante faz uma piada que atinge os outros ou brinca com algo que é indiferente para elas. Porém ficam ofendidinhas quando a piada as atingem ou é demolidora com algo que elas amem. Desculpem-me de novo, mas isto tem nome e sobrenome: falta de senso de humor, a irmã caçula da imaturidade.
Quer demonstrar que tem mesmo senso de humor de verdade? Engula o sapo, fique quieto, ouça tudo. Aceite que as piadas que você não gosta também fazem parte do pacote. Da mesma fonte de onde nasce uma piada ruim e desagradável podem nascer dez geniais. É preciso ter uma maturidade mínima para entender isto e parece que é este mínimo o que falta a boa parte do público hoje. Eu é que não deixarei nunca me pautar por isto e acho que nenhum humorista ou comediante de respeito deve deixar.
B@belturbo: Alguns humoristas criticam uma certa "patrulha do humor" e se queixam do chamado "politicamente correto". Você concorda? O humor tem sido patrulhado? Paulo Cursino: Concordo. Pessoalmente acho que vivemos um período muito complicado e que transcende a questão do humor. Na minha opinião o pensamento politicamente correto trouxe mais problemas do que soluções para a sociedade no geral, não só para a comédia. Vivemos hoje num mundo mais ignorante regido por cotas sociais, proteção exagerada a minorias, pelo sexismo feminista, por revanchismos históricos, de judicialização extremada, que está longe, muito longe, do que seria o ideal. O estado de direito e a liberdade de expressão passam por um momento complicado não só no Brasil, mas no mundo. Mas cada época tem a sua dificuldade e essa é a nossa. A única saída é resistir a essa patrulha com inteligência e talento. É só o que nos resta.
B@belturbo: De que forma é possível fazer humor sem cair nas amarras do politicamente correto e, no entanto, sem ferir o bom senso? Aliás, isso é possível? Paulo Cursino: Sinto dizer, mas não é possível. Por que se você perguntar a dez pessoas o que é bom senso vai ouvir dez respostas diferentes. Bom senso nunca será consenso, infelizmente.
B@belturbo: Pra encerrar, em uma palavra, como definir o tipo de humor que você faz? Paulo Cursino: Engraçado.
NOTA: A entrevista foi concedida por e-mail e publicada na íntegra, sem edição.
Leia mais posts da série:
Amanhã, o sexto post da série traz uma entrevista exclusiva com Oscar Filho, humorista e um dos repórteres do CQC, da Band.