Quando eu era pequeno, uma tia muito querida tinha uma casinha de praia em Sepetiba, na Zona Oeste do Rio. Se você não é da Cidade Maravilhosa, eu conto: Sepetiba não está entre as mais belas e limpas praias do Rio, não é destino de celebridades e nem locação de novela das oito - embora tenha abrigado gravações de algumas antigas produções globais. Digo mais: hoje, Sepetiba é uma região meio moribunda, de águas escuras, poluídas, de aspecto mais próximo ao de um mangue que ao de uma zona praieira.
Mas lá pelos meus 8, 9 anos, a coisa era diferente. Frequentávamos a praia Dona Luísa - mais tarde rebatizada de Praia do Recôncavo - e era comum encontrarmos águas pacatas e limpas no início das manhãs e no fim das tardes, quando a maré já estava mais alta e até algumas ondinhas agitavam nosso balneário. A lama escura já dava as caras lá no fundo do mar, mas não nos importava: para alguns, crentes de que aquela substância viscosa tinha propriedades medicinais jamais comprovadas, até se besuntavam com aquele lodo cinza-esverdeado.
Passei muitas férias na praia de Dona Luísa. Jogávamos bola, nadávamos - havia mar pra isso na época! - e, durante a noite, meus primos e tios passavam o arrastão e jogavam puçás para pegar camarões, siris e caranguejos. Era uma farra que nós, os menores da turma, acompanhávamos de longe. E, depois, outra farra: acompanhar minhas tias e minha mãe preparando os pescados que faziam a alegria da família nas noitadas de buraco, dominó e sueca...
A casa da minha tia ficava na Rua Nunes, que desembocava bem em frente ao mar de Dona Luísa. Caminhávamos uns 7, 8 minutos ouvindo o canto das cigarras, sentindo o perfume das mangas e, depois, estávamos lá, diante do nosso mar. A proximidade, no entanto, não impedia que, quando a fome batesse, comprássemos nossas guloseimas na beira d'água. E eu me lembro muito bem dos meus dois quitutes preferidos: coxinha de galinha e cuscuz. Eram deliciosos! O cuscuz, então, é sem igual! Havia um senhor que passava, sempre no fim das tardes, empurrando sua carroça entupida com aquele doce gostoso! Comprávamos e ele sempre caprichava na cobertura de leite condensado! Eu ainda não sabia, mas hoje posso dizer que comer aquele cuscuz depois de um dia todo brincando e tomando banho de mar era a perfeita tradução da palavra felicidade na vida de um moleque como eu...
Hoje eu lembrei disso porque fui à praia. Fui à Barra da Tijuca pois, como disse, as praias da região de Sepetiba não são mais balneáveis. E lá, diante do mar puro - e delicioso - da Barra, vi que o Choque de Ordem da Prefeitura do Rio agora impede que delícias como o cuscuz do tempo da minha infância sejam vendidos à beira-mar. Também sumiram as empadinhas e o tradicional queijo-coalho. As intenções da Prefeitura parecem as mais nobres, mas me fizeram notar que o Rio perde um pouco de sua identidade com essas novas medidas. E lá, na Barra, senti muito orgulho de ter podido viver tudo isso na minha saudosa infância na praia de Dona Luísa...
2 comentários:
Murilo, me identifiquei demais com teu relato, porque também vivi minha infância da zona oeste. Como você, também tenho recordações maravilhosas do bairro de Sepetiba, onde devorei mil cachorros quentes, quando criança, no colo do meu tio. Que saudade!
Quanto ao "Choque de Ordem", também acho que ele poderia tolerar algumas coisas que formam a identidade da cidade e mantém vivas nossas memórias.
Beijos
Já na minha época, Sepetiba era conhecida como SEPILAMA.
É ótimo recordar a infância, geralmente recordo das minhas férias maravilhosas em São Fidélis, na chácara da minha avó (lembro até hj quando eu e meu irmão abrimos a porteira e ficamos escondidos olhando uma vaca invadir a cozinha.kkkkk), ou em finais de semana na casa de praia da minha tia em coroa grande (lembro até hoje de ter visto a Xuxa ainda pobre dirigindo um passat por lá).
Acho bom o choque de ordem, apesar de achar que é rígido demais, mas também temos que lembrar que o Rio ficou largado durante anos e não estamos acostumados com regras, todo mundo faz o que quer, sem padrões conhecidos de higiene ou fiscais. Acho chato perdermos o queijo(o que é a praia sem ele?) ou a empada, o que a prefeitura deveria fazer é colocar regras pq se for liberar uma coisa ou outra pq está na cultura do carioca tipo frescobol ou altinho na beira do mar, vai virar bagunça completa...
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