Olhei o pipoqueiro, no final do dia, catando as pipocas prontas e colocando numa bolsa de plástico com todo o cuidado. É certo que amanhã vai requentar e tentar vender as sobras de hoje. Porque pra ele, aquele monte de pipoca murcha faz diferença; aquele monte de pipoca dormida pode se traduzir, amanhã, em alguns poucos reais que vão ajudar a matar sua fome e a fome dos que lhe são caros. Aquele monte de pipoca velha é fruto do seu suor, do seu trabalho. E é dali, só dali, que vem o seu sustento. É dali, da metamorfose gerada quando o milho é aquecido na manteiga, que aquele homem velho, de rosto cansado e costas curvadas faz nascer a esperança de que amanhã as coisas podem melhorar. Uma esperança alimentada pela crença de que amanhã, quem sabe, as pessoas que cruzarem seu caminho podem querer comer mais pipocas.
Com o saco plástico cheio das sobras, vi o velho pipoqueiro contar suas notas amassadas de um real. Havia notas de dois também. Um bolo de notas velhas que ele guardou no bolso do jaleco surrado; o uniforme que usa para trabalhar. Surrado, meio rasgado nas mangas; cheirando a pipoca. Mas que, naquele velho homem, parecia digno demais. Como a carroça enferrujada, e as notas amassadas. Dignidade era o que havia ali, em cada gesto que o pipoqueiro empreendeu antes de empurrar sua carrocinha combalida para longe, dando por encerrado o expediente. Dignidade de um homem simples, que busca seu dinheiro de um jeito honesto, encarando o trabalho - que tanta gente busca; trabalho que tantos e tão mais poderosos usam apenas para sugar ainda mais os mais simples, para ostentar suas riquezas imundas, para esfregar nas caras de todos nós quem é que manda. Poderosos de meia tigela, que não sabem o valor que há nas notas amassadas de um real guardadas no bolso do jaleco do velho pipoqueiro. Porque um real, para eles, é nada. E porque, pior que isso, o pipoqueiro, pra eles, também é nada. O povo é nada. E tudo é nada, porque o que importa é apenas a sua sede de poder, de riquezas, de ostentação. Nada lhes falta e, no entanto, nada é capaz de lhes fartar.
Mas, eles sim, nos deixam fartos. E valem menos, bem menos, que toda a pipoca murcha, passada e requentada do velho pipoqueiro. Seus carros - pagos por todos os que se espremem em ônibus lotados, carroças, lombos de animais e toda a sorte de transporte - ah, seus carros, por mais importados que sejam, valem nada perto da carrocinha enferrujada do velho pipoqueiro. Assim como seus ternos bem cortados, se comparados ao jaleco do velho pipoqueiro. Porque o que sobra naquele pobre homem fazedor de pipocas falta em muitos desses que se acreditam superiores a todos nós: retidão!
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