6.4.15

Eduardo: mais uma vítima do nosso esquecimento..

Eduardo: mais um "futuro bonito" que nunca vai chegar...
Eduardo de Jesus Ferreira tinha 10 anos. Passava 10 horas por dia no colégio, um CIEP de Olaria. Era filho de uma diarista. Sonhava com um futuro bonito e dizia à mãe que a amava várias vezes por dia.
Que tristeza ter de escrever esse texto conjugando todos os verbos no passado...
Eduardo foi mais uma triste vítima da tragédia da segurança pública de uma cidade que, em vez de extinguir abismos, apenas resolveu fingir que eles não mais existiam. Um Rio de lágrimas - e de sangue - que segue mais partido do que nunca.
Eduardo foi morto e vi no Twitter sua foto sem vida. Terrível, trágica, dolorosa. Estirado e ensanguentado como jamais deveriam aparecer nos jornais meninos de sua idade - sobretudo quando a absurda extinção de suas vidas decorresse de tamanha negligência. De tamanho descuido. De tão absurdo silêncio de todos nós para uma história que se repete à exaustão. Não exagero: na última década, no Rio de Janeiro, 50 crianças foram mortas por policiais em incursões tratadas como rotineiras pelo Estado.
O que se faz diante disso?
Nada.
A gente sofre, a gente se entristece. E vem um novo escândalo, vem uma nova manchete terrível; vem uma nova piada no whatsapp. 
E a gente esquece.
A gente esquece do Eduardo, esquece da dor incurável da mãe que estava se desdobrando para pagar cursos de inglês e informática pro garoto. A gente esquece do futuro bonito que ele nunca vai ter. Esquece de todas as contribuições que ele poderia vir a dar para ajudar a curar essa sociedade doente, covarde, assassina. Sim, a gente esquece que empurrou o policial para aquele tiro. A gente esquece que naturaliza, dia após dia, o inaceitável. A gente esquece que o escândalo seria muito maior se Eduardo de Jesus Ferreira morasse na Vieira Souto. A gente esquece que há lugares em que a polícia jamais entraria como entra no Complexo do Alemão. A gente esquece que vive num contexto em que o CEP determina como o cidadão vai ser tratado. E esquece que esse tratamento se desumaniza proporcionalmente à redução do valor do IPTU.
A gente se esquece porque é covarde. Porque se acostumou a achar que as coisas são assim. E porque não sabe como ou o quê fazer para alterá-las. 
Queremos alterá-las?
A gente se esquece porque é cômodo. Porque Eduardo, infelizmente, não foi o primeiro e não será o último. 
Quantos mais serão?
A gente se esquece porque favela é perigoso. Porque acha que - como ouvi dia desses - quem mora lá já sabe que o futuro pode nunca chegar.
E chegará?
A gente se esquece, sobretudo, porque vem esquecendo a cada dia mais o que significa a palavra humanidade.
Humanidade?

25.3.15

90!

Com a serenidade de quem já podia experimentar, dia após dia, a graça de descobrir uma nova (co)existência, agradeceu. Agradeceu pela parceria, pela ternura, pelo cuidado, pelo feijão saboroso, pelo fim do Nescau com açúcar, pelas mãos dadas no teatro, pelas conversas serenas, pelos desabafos, pelas confissões. Agradeceu a confiança, os sorrisões, a doçura da voz a lhe despertar, os emoticons de beijo, coração e flores. Agradeceu pelas descobertas, pelos sonhos, pelos planos, pelos conselhos... 
E, mais que tudo, agradeceu por ter a prova de que, sim, todo o amor é sagrado. E pode ser, também, sereno.

16.3.15

Um dia estranho

Manifestação com pauta difusa cedeu espaço para reivindicações absurdas

Acho que toda e qualquer manifestação realizada com o objetivo de cobrar direitos e serviços é válida. Do mesmo modo, também considero salutares as demonstrações coletivas que tenham o objetivo de pressionar governos - em qualquer nível - para, assim, lembrá-los que os interesses dos cidadãos devem ser considerados quando da tomada de decisões.
Embora as considere pouco efetivas, acho também pertinentes as manifestações coletivas contra a corrupção e a impunidade. E me explico: visto que ninguém se assume publicamente favorável a uma ou outra coisa, sair às ruas manifestando essa contrariedade parece clamar pelo óbvio; parece coisa de quem não consegue enxergar além do senso comum. Creio que manifestações dessa natureza carecem de uma pauta clara, de um objetivo comum. No momento atual, penso, a pauta para quem pretende combater esse combate é a da reforma política. E me incluo nesse grupo, vale dizer.
Acontece que as manifestações de ontem pareceram boiar num mar de senso comum. E, pior do que isso, quando se permitiram ir além desse pensamento mediano, tomaram caminhos assustadores. Não consigo conceber um cidadão de bem, ainda que incomodado com a atual situação do país, que se permita militar nas ruas ao lado de alguém com uma faixa onde se vê a suástica. Igualmente me intriga pensar nas "famílias inteiras, em clima de paz" dividindo a rua com pessoas que empunhavam cartazes onde se lia - inclusive num inglês constrangedor - clamores pela volta da ditadura militar. 
"Eram poucos", alguns dirão. Não importa, respondo. Ao dividir o mesmo espaço com gente assim, você valida esse discurso. Ao aceitar militar ao lado de quem defende pautas radicais, extremistas e ilegais, você caminha para se tornar mais um deles. Aliás, nas fotos e imagens de TV, nas estatísticas da polícia, "dos organizadores" e dos institutos de pesquisa, quem escolheu marchar ao lado de pessoas com tão deprimentes reivindicações já se tornou um deles. 
Por fim, lembram de um ditado popular sobre se misturar com porcos e comer farelo? Pois bem. Entre os "convocadores" dos protestos de ontem, estavam Silas Malafaia, Marco Feliciano e Jair Bolsonaro. Gente que, talvez, até traga algum orgulho para quem resolveu ganhar as ruas e assinar o cheque em branco em que se converteram essas passeatas sem foco. Mas, pra mim, esse é o tipo de gente que sempre estará do outro lado. 
Obrigado, mas do farelo deles eu só posso querer distância.

11.3.15

O Brasil precisa amadurecer

Cinco meses depois das eleições, eleitores ainda se digladiam como se Dilma e Aécio
ainda estivessem disputando. E o país só perde com isso...
E nos últimos dias, reeditando um triste fenômeno que muita gente pode vivenciar durante os meses da última campanha eleitoral, as redes sociais voltaram a se transformar num campo de batalha. E não me utilizo de uma figura de linguagem; não se trata de uma metáfora, uma vez que a luta não se dá no campo ideológico. São ofensas, agressões, insultos e arranca-rabos de todos os graus. Tem de tudo, menos maturidade...
A cena política brasileira se converteu nos últimos tempos numa espécie de 8 ou 80 que, além de limitador, só tem empobrecido o diálogo e impedido o avanço do país - e do pensamento. E, pior do que isso: diante dessa polarização, os dois lados passaram a contar com defensores / torcedores apaixonados, que tratam o país como um grande campeonato de futebol; ignorando a premissa básica de que, nesse caso, todos os brasileiros deveriam lutar por um objetivo comum e que, assim sendo, a vitória não seria de eleitores do PT ou do PSDB, porque um Brasil melhor, de pé, será melhor para todos nós.
Atribuir a um partido a responsabilidade pelos males do país - sobretudo o mais grave deles, a corrupção - é, com boa vontade, ser desonesto. Desonesto com a história, com os fatos que a escreveram e continuam a escrevê-la e com aquilo que, se ainda não é, deveria ser do conhecimento de todos: não se pode estipular uma data de início da roubalheira em nosso país. Por quê? Porque aqui, infelizmente, sempre se roubou. E muito! Ou alguém se esquece que fomos uma colônia de exploração e que, portanto, o que aqui se obtinha não era aplicado em benefício do novo território e de seu povo? Se os barões contemporâneos mandam seus dólares por vias escusas para os paraísos fiscais, séculos atrás era o império a abrir a boca pra surrupiar as riquezas aqui extraídas. Não me parece estranho supor que essa lógica tenha se cristalizado e, repetida geração após geração, tenha acabado por parecer natural.
Ainda nessa perspectiva histórica, que tal se dermos um salto no tempo rumo a um passado menos remoto? O passado da ditadura militar. Censura ampla, geral e irrestrita; sindicatos e organizações privados de um funcionamento livre, imprensa amordaçada. É possível crer que não se roubava nessa época? É aceitável a ideia de que, num cenário em que sequer era fiscalizado pela imprensa e por outros organismos, o governo agia com retidão? Desculpem-me, mas pensar assim me parece inocência. Ou ignorância. Ou, reafirmo, desonestidade! E não me venham falar que o país era melhor naquele sombrio período em que os opositores eram mortos, desaparecidos, presos, expatriados, silenciados! Época em que, como vira e mexe lemos, a silenciada corrupção já levava muito.
Hoje, temos um país aberto, democrático. Uma imprensa livre - e questionável, claro. Avançamos nesses dois pontos mas, no terreno da política, a época ainda é a das cavernas. Enquanto parlamentares querem definir o conceito de família seguindo preceitos religiosos; enquanto há uma bancada da bala no parlamento; enquanto um deputado ofende mulheres, negros e homossexuais sem que nada lhe aconteça; enfim, enquanto tudo isso tomou de assalto os noticiários, Brasília foi virando uma espécie de pastiche de si mesma. O congresso, eleito para nos representar, não teve pudores de negar qualquer movimento favorável a maior participação popular nas tomadas de decisão. Congressistas também não tiveram vergonha de dizer não a um plebiscito que envolvesse a sociedade na construção de uma reforma política. Ou seja: em dois casos - e há outros - não houve a menor disposição em sequer disfarçar que os desejos da sociedade não lhes interessam. E a nós? 
Bem, nós nos calamos.
Nós vergonhosamente, covardemente e tristemente nos calamos!
Iniciado o segundo mandato de Dilma, as medidas impopulares vieram. Eram favas contadas, como sabiam - e defendiam - todos os economistas. Era o que havia por ser feito. Era o que Aécio também faria - e talvez, sob o PSDB, o país viria a experimentar um ajuste ainda mais rigoroso. 
Pois bem: era o que pedia o mercado. Era o que faria a oposição. Era o que teriam os eleitores do candidato tucano. Dilma fez. Resultado: o mercado, a oposição e os eleitores de Aécio se voltaram contra o governo. Setores da mídia, mais raivosos que qualquer partido de oposição, também se voltaram contra o governo. Não dizem, mas tá na cara! Tá nas manchetes, tá nas fotos, tá na cara dos colegas que emprestam seus corpos e vozes para que os donos da informação digam e defendam o que querem. O que querem pra si e o que querem nos fazer crer que também queremos. E nós?
Bem, alguns de nós bateram panelas.
Sim, alguns de nós, vergonhosamente, covardemente e ridiculamente batemos panelas!
Os jornais não dizem isso claramente, mas as panelas estridentes não ressoaram nas periferias. Talvez por lá estivessem todas cheias na noite do último domingo. Talvez as classes mais populares não tenham tantos motivos para protestar contra o governo. Talvez as classes mais populares tenham entendido que as eleições acabaram e que o momento é de trabalhar - governo e sociedade - para que o país entre novamente nos trilhos. Talvez as classes mais populares não engulam tão facilmente a ideia de que "nunca se roubou tanto no país" porque nos últimos anos, como indicam todos os índices, pela primeira vez em nossa história lhes tenha sido oferecido uma parte do bolo do crescimento da economia brasileira.
Agora, enquanto informam, jornais e TVs reforçam a existência de uma "grande manifestação" marcada para o próximo domingo, num explícito exercício de futurologia, uma vez que não se deveria adjetivar uma manifestação que ainda não se concretizou, ainda não ocorreu. Tempos estranhos...
É óbvio que o clima não é bom. É óbvio que a popularidade do governo está em xeque, sobretudo depois das tais mudanças impopulares - que não têm esse nome aleatoriamente. Mas também me parece óbvio que há um movimento oportunista que quer se valer disso para desestabilizar ainda mais o andamento do país; sim, porque desestabilizar um governo é comprometer o andamento do país. Mais que isso: esse movimento se aproveita da notória carência de formação ( e informação) política de grande parte do eleitorado.
O fato é que temos um sistema político viciado em corrupção e uma população que centraliza suas expectativas e cobranças no Executivo, sem dar a menor importância ao Legislativo. Depois, quando vem à tona um escândalo que apenas confirma aquilo de que todos sempre desconfiavam, a conta toda é jogada no Planalto. Talvez porque seja mais fácil. Talvez porque não se tenha cultura política para envolver toda a sociedade na fundação de um novo modelo. Talvez porque estejamos contaminados demais pelo imediatismo, por essa onda tão descartável; não serve, troca. E aí vai desde o celular até a presidência da república. Não sou a favor do "Fora, Dilma", não fui a favor do "Fora, Lula" e nem do "Fora, FHC". Democracia não é Lego, não dá pra agir montando e desmontando cenários. 
O Brasil precisa amadurecer muito e a conjuntura atual só reforça isso.

5.3.15

Xuxa na Record: o fim de uma era

Depois de dois anos de negociação, Xuxa mostra contrato assinado com a Record
A televisão brasileira, sobretudo a Rede Globo, foi forjada tendo como base o ‪#‎StarSystem‬ de Hollywood. Se lá os grandes astros e estrelas eram exclusivos dos grandes estúdios, por aqui a Globo cresceu segurando seus maiores nomes em longos contratos que os impediam de ser roubados pela concorrência. Salários polpudos, mesmo para aqueles que passavam longos períodos fora do ar, sem trabalhar. Sim, por muito tempo a Globo pagou caro para ter aqueles que considerava os melhores valores do mercado em seu elenco. Por isso, não dá pra imaginar Cid Moreira narrando o "Fala que eu te escuto", nem a Glória Maria fazendo um programa qualquer de viagens na Rede TV. Por isso a gente estranharia ver o Bial apresentar "A Fazenda", o Tarcísio Meira sendo vovô das órfãs de Chiquititas, no SBT, ou a Glória Pires interpretando Paulina e Paola num remake de A Usurpadora, na mesma emissora. Também por isso pareceria bizarro ver Roberto Carlos apresentar seu especial de fim de ano na TV Cultura. Todos são astros da Globo; e vale dizer que, não por acaso, "global" é um adjetivo que identifica o vínculo do artista com a emissora carioca.
Outros canais seguiram o exemplo dos artistas exclusivos e, nas vezes em que esqueceram de rezar pela cartilha, se arrependeram. Foi o que aconteceu ao SBT, quando perdeu Hebe para a Rede TV e acabou sendo criticado por virar as costas para uma de suas maiores estrelas. Também é por isso que ver a ‪#‎XuxaNaRecord‬ desperta tanta curiosidade, tanto estranhamento. 
Hebe sendo recepcionada na Rede TV,
depois de sair do SBT
De uns anos pra cá, a estratégia de ter numerosos artistas contratados por valores exorbitantes vem sendo revista tanto pela Globo quanto pelas demais emissoras. Os tempos são outros, bem mais difíceis. Aliás, de volta ao caso da Hebe, foi essa a razão que impediu Silvio Santos de mantê-la sob contrato com vencimentos considerados estelares. Sugeriu reduzir o salário, o staff de Hebe não aceitou e ela acabou assinando com a Rede TV - que viria, aliás, a atrasar o pagamento da contratada pouco depois. Com Xuxa o processo foi semelhante: salário alto e pouco retorno comercial e de audiência. E um agravante: a direção da Globo não via mais espaço para a loira na grade de programação. Assim sendo, a única saída foi mesmo a concorrência.
Em 2009, Gugu deixou o SBT e
assinou com a Record
A ida de Xuxa para a Record parece sinalizar para o fim definitivo da era em que o artista era a cara de uma emissora. Nem a saída de Gugu para a mesma Record, anos atrás, rendeu a mesma repercussão. E vale lembrar que, no SBT, ele era apontado como o sucessor natural de Silvio Santos. Talvez, o único paralelo com essa mudança de emissora da Rainha dos Baixinhos fosse uma eventual saída de Silvio Santos do SBT o que, sabemos, é impossível. 
A contratação de Xuxa pela Record, celebrada hoje, já desponta como uma das mais caras da história da televisão no Brasil. Foram muito raras as vezes em que um artista tão identificado com a emissora líder de audiência foi para a concorrência. E, no caso em questão, a despeito de ter permanecido na geladeira global ao longo do último ano,  Xuxa segue como um dos rostos mais identificados com a Globo, onde esteve por quase 30 anos. Desconfio que Boni e Roberto Marinho jamais concordariam com a saída de uma estrela desse patamar do cast do canal. E, a julgar pelo imenso barulho causado nas redes sociais hoje, acredito que a Record pode ter feito um grande negócio. O público, deu pra ver, segue fiel à estrela. Resta saber quais as outras mudanças que ela prepara para surpreender os fãs. Resta saber como o público vai reagir à mudança quando o novo programa de Xuxa estrear. E resta saber como a Globo vai se armar para enfrentar a ex-estrela... 

2.3.15

Rio 450: que cidade estamos celebrando?

O "meu Rio" passa por aqui. É alegre, festeiro e bonito. Tem problemas. Mas é real...
Ontem, primeiro de março de 2015, o Rio de Janeiro completou 450 anos. Mas, ao menos na maior parte dos jornais e do noticiário da TV, o aniversário parecia ser apenas de parte da cidade. Sim, a Zona Sul foi celebrada como a mais perfeita tradução da carioquice; como se o Rio estivesse limitado aos contornos da orla, aos calçadões, monumentos e postais das praias, praças e avenidas com os IPTUs mais caros da capital fluminense.
Sobre o Rio de Padre Miguel, Bangu, Realengo e Campo Grande não vi palavra. Santa Cruz? Nada! Valqueire, Irajá, Vaz Lobo, Méier, Senador Vasconcellos, Jabour, Sulacap, Campinho, Cascadura, Praça Seca, Freguesia...todos igualmente esquecidos. Pareciam partes de um Rio que pouco, quase nada tem a comemorar. Isso sem falar na Coreia, no Alemão, em Costa Barros, Vila Kennedy, Acari, Cesarão, Rio das Pedras, Engenho Novo; áreas de uma cidade que segue partida e que, sabemos, realmente têm poucos motivos para qualquer celebração.
Os jornais e as emissoras de TV até se esforçam, vez ou outra, mas em episódios como esse fica evidente o desconhecimento e a distância que suas redações conservam do Rio real; que está afastado dos pontos turísticos, dos lucros exorbitantes das empreiteiras sempre tão interessadas em obras faraônicas, dos homens e mulheres sarados que lotam as praias de segunda a segunda. Na TV, em geral, periferia só aparece quando o assunto é violência. E, uma vez por ano, no carnaval; quando o restante da cidade parece se lembrar  de que é das comunidades mais populares que emerge a mais genuína das expressões da cultura popular: o samba.
Lembro de um episódio que foi muito marcante na minha formação. Faz uns 10 anos. Eu já trabalhava na TV e me surpreendi com uma manchete em letras garrafais que estampava a página de um grande jornal. A notícia era um tiroteio no Leblon, "à luz do dia". Tiroteios são sempre assustadores, claro; não se pode tomá-los com naturalidade. Mas a razão do meu espanto era o tom da matéria; como se fosse aquele um fato inadmissível não pela violência, não pelo uso indiscriminado das armas, mas única e exclusivamente pela localização do confronto. Dava a clara impressão de que, fosse na Rocinha, na Taquara, na Ilha do Governador ou em qualquer área menos valorizada, o tiroteio seria aceitável; normal, até. Mas ali, no Leblon, talvez a poucas quadras dos apartamentos dos donos do jornalão; ali, não!
Fiquei chocado! E nunca vi o jornal dar o mesmo destaque a qualquer episódio semelhante acontecido no subúrbio, na zona oeste ou em áreas "menos nobres"
do Rio. Claro: o Rio, para eles, sempre foi o que está além do túnel.
Mas o Rio de verdade resiste, sem filtros embelezadores, sem photoshop e sem sair nos jornais. Resiste apesar dos políticos, apesar da violência, apesar dos autos de resistência que encobrem o extermínio de uma geração inteira, apesar do trânsito caótico, apesar dos serviços que só pioram, apesar da intolerância de quem invade e destrói terreiros por não aceitar a coexistência de outras crenças, apesar do ódio homofóbico que não percebe a inequívoca vocação deste lugar para o amor, apesar das balas - e de algumas esperanças - perdidas, apesar dos sonhos negados pra quem vem - e vive - nas periferias, apesar da especulação imobiliária e apesar da eterna despoluição da Baía de Guanabara; apesar de tudo isso, o Rio resiste! O Rio segue sendo a capital da beleza e do caos, segue com 40 (e tantos) graus, segue sendo a mais maravilhosa dentre as maravilhosas cidades do mundo. O Rio segue sendo meu orgulho, minha casa e minha paixão.
Parabéns, Cidade Maravilhosa! E que os próximos 450 anos sejam melhores para os cariocas de todas as partes...

25.2.15

60!

Falo de leveza, de uma vida sem sobressaltos, sem soluços. Sem aflições maiores, sem grandes angústias...
Falo de abraços aconchegantes, de olhares cheios de ternura, de beijos doces e quentes, de mãos trançadas de felicidade...
Falo de muita disposição para falar. E para ouvir. De vontade para aparar as arestas. De uma garra sem tamanho para acertar. E melhorar cada vez mais, dia após dia.
Já são 60. 
Lindos, claro. Mas que ainda soam muito pouco, quase nada...

23.2.15

Cenas tristes e marcantes de um carnaval...

Em Salvador, miséria dos cordeiros e descaso com a limpeza da cidade destoam do clima contagiante da capital da Axé Music...

Assumo: em matéria de carnaval, sou bígamo: amante dos festejos cariocas e apaixonado pela farra baiana. E me divido doloridamente entre essas duas cidades - não por acaso, as duas de que mais gosto no país. Passo o pré-carnaval no Rio e o carnaval oficial na capital baiana. Na Cidade Maravilhosa, vou de bloco em bloco pra aproveitar a alegria de um carnaval de rua que a cada ano se torna mais pujante; mais frenético, mais festivo. E em Salvador, vou atrás dos trios de Ivete, Claudinha e Daniela, pulando como se não houvesse amanhã; como se as pernas não me fossem enviar a conta no dia seguinte. Afinal, no dia seguinte, lá vou eu pro circuito novamente, percorrer os seis quilômetros de felicidade e êxtase que separam a Barra de Ondina. Sem contar as noites em que a farra ainda se estende aos camarotes...
Foi assim em 2015: dividi meu amor, minha energia e minha alegria entre essas duas cidades. Mas o prazer de poder me divertir em mais um carnaval não ofuscou o choque ao perceber a miséria impressa nos rostos, nos olhos e nos pés descalços de muitos dos cordeiros dos blocos das cantoras baianas. Pra quem não sabe, cordeiros são os homens e mulheres - das mais variadas idades - que carregam a corda responsável por separar quem pagou pelos abadás do público que não pagou, a chamada pipoca. É deles a responsabilidade de impedir que o bloco seja invadido por quem não pagou para estar ali, perto do trio elétrico. De alguns deles ouvi que sua função é "nos proteger". "Estou aqui pra cuidar de você, brother", me disse um, provavelmente sem se dar conta de que há quem cuide dele. Dentro dos blocos de Salvador, os cordeiros expressam o maior contingente de negros, o que me faz lembrar que, sim, infelizmente a pobreza brasileira ainda tem cor. Negros de abadá? Poucos, muito poucos...
Não falo da miséria dos cordeiros por ter ficado assustado ao vê-la; como muitos representantes da tal classe média tantas vezes ficam. Não acho que a miséria deva ser escondida. Falo porque me assombro que ela exista numa festa que movimenta tantos milhões de reais. É um deboche com a sensibilidade de qualquer pessoa que se preocupe minimamente com o próximo perceber que há gente faturando alto que sequer se importa se a cordeira está descalça caminhando sob o asfalto quente por seis quilômetros. E mais aviltante ainda é saber que ela vai receber apenas alguns trocados por um sacrifício tão grande...
Numa festa feita por baianos para turistas, um outro momento ficou gravado na minha memória. Foi na segunda-feira de carnaval, quando o circuito ficou engarrafado e o atraso no percurso impediu que os foliões chegassem à área com banheiros químicos - em número tão insuficiente em Salvador como no Rio. Fomos para o Morro do Gato e a cena era terrível: num barranco lamacento, homens e mulheres urinavam, produzindo um barro fedido, eu escorria morro abaixo, encharcando tênis, sandálias, sapatos, meias. Sem pudor. Sem repressão. Sem drama de consciência. Éramos selvagens emporcalhando a cidade sem a menor culpa, simplesmente porque aquela era a única alternativa possível. Certamente esse detalhe sanitário foi esquecido por ACM Neto, prefeito que vem sendo muito elogiado pelos baianos por moralizar alguns serviços públicos e cuidar de obras importantes para a cidade. Não dá para uma cidade linda como Salvador se submeter a um ritual tão sujo, insustentável e indigno de uma das maiores festas do mundo! Não dá pra naturalizarmos um comportamento tão primário em 2015. Não dá pra acharmos natural que o espaço da avenida continue a ser loteado por camarotes impedindo, assim, que mais banheiros químicos sejam disponibilizados para a população e para os turistas. A festa é bonita demais pra permitir erros tão grotescos.
E também não dá - por mais que muitos se divirtam - para que os blocos continuem a cobrar tão caro pelos abadás e sigam tratando os cordeiros de forma tão aviltante e desumana. A seguir assim, a festa popular mais tradicional da Bahia - e uma das mais tradicionais do Brasil - vai caminhar a passos largos para se tornar cada vez menos...popular. E justamente por desprezar tanto a parcela mais genuinamente popular da folia...

9.2.15

Meu encontro com a intolerância em forma de mulher...

Não sei em que momento a classe média brasileira optou por ser a classe medíocre; cheia de discursos preconceituosos, repleta de ódio e pautada pela intolerância...


Meus amigos mais próximos sabem que costumo ser um cara ponderado. Muito ponderado, inclusive. Penso bastante antes de tomar decisões, penso no quê e em como falar, penso, penso, penso. Peso os prós e contras do que digo e do que faço. Não é algo calculado; nunca foi: é da minha essência. Poderia atribuir isso à tal balança, ícone do meu signo - libra - mas gosto mais de pensar que essa busca por equilíbrio é o caminho que venho trilhando, a cada dia, para ser um alguém melhor. Melhor para o mundo, para as outras pessoas e pra mim mesmo.
Raramente discuto. Raramente bato boca com alguém. Ontem, no entanto, a ponderação e essa busca pelo equilíbrio não foram suficientes para evitar que isso acontecesse. Foi no condomínio em que moro; na piscina aquecida - cujas águas, aliás, diante do calor desse verão, nem têm precisado ser artificialmente aquecidas.
Entrei na piscina e uma senhora - que também não estava aquecida e, sim, esquentadinha demais - gritava com o guardião. Ela se queixava aos berros do fato de uma jovem visitante estar dentro d'água usando um short; o que é vedado pelo regimento do condomínio. Eram pérolas como: "Eu pago isso aqui e cumpro as regras, por que uma visitante não tem que cumprir?" e "É o seu papel mandar ela (sic) tirar, você que é o 'piscineiro', eu sou moradora, não tenho que ficar me indispondo", esbravejava, como se fosse uma senhora feudal e o funcionário do condomínio, um seu escravo.
Respirei fundo quando a menina, de uns 16, 17 anos, tirou o short e continuou na água. Estava claro que não havia nenhuma intenção de desrespeitar o regimento: ela apenas não tinha sido comunicada sobre as regras para frequentadores da piscina. A moradora - que, durante a palestra, fazia questão de frisar sua condição de moradora, numa tentativa vã de menosprezar a jovem visitante - seguiu fazendo seus exercícios de hidroginástica e achei que a tarde de domingo voltaria ao curso normal...
Estava errado. O guardião da piscina precisou ir ao banheiro e um outro veio substituí-lo.  Esse outro guardião a moradora fez questão de tratar com uma certa simpatia; como se agora fosse a senhora de engenho a lidar com um capataz de confiança. E iniciou a ladainha, aos gritos, para voltar a constranger as jovens e a infernizar minhas pretensões de um fim de tarde relaxante. Foi quando se deu o seguinte diálogo:
- Mas por que você não está na piscina externa?
- Porque ela foi interditada agorinha.
- E por quê? - quis saber a mulher.
- Porque um morador fez as necessidades dentro.
- Foi aquele doente de novo?
Aí meu estômago embrulhou. O "doente" é um morador com deficiência. Eu tinha ficado sabendo do incidente pouco antes, quando decidi, então, usar a piscina aquecida. O jovem, com uns vinte e poucos anos, não tem controle sobre os músculos. Vai à piscina acompanhado da mãe. E, por conta dessa limitação, acabou sujando a água.
Ignorando completamente toda essa situação e todo e qualquer sentimento semelhante ao de compreensão, a mulher prosseguiu:
- Às vezes eu tô aqui, fazendo a minha aula de hidro, e ela traz ele pra cá! Bota dentro da piscina! E acha que tá certa! Diz que tem uma lei que garante o direito dele! Um absurdo! Ele tem quase trinta anos, sabe? Ele tem direito? Então ela tem é que levar uma multa quando isso acontecer! Prejudica todo mundo que paga pra ter acesso à piscina!
À essa altura eu já estava fora da piscina. Não suportei testemunhar esse ataque extremo do que há de mais abjeto no ser humano. Não suportei ver ali, diante do meu nariz, uma espécie de materialização daquelas colunas idiotas e cheias de preconceitos que andaram povoando as páginas dos sites e dos jornais dias atrás. Não suportei tanto desrespeito, tanto desamor, tanta grosseria. Não suportei ver que, em 2015, há gente parecendo mais desumana que qualquer homem das cavernas. Já vestido, fora da piscina, olhei pra ela e disse, no tom mais baixo que consegui utilizar (e era alto!):
- Quando a senhora quiser reclamar, por favor, procure a administração do condomínio.
Cega e idiota, como costumam ser todos os que compactuam com pensamentos tão tacanhos, ela achou que eu estava concordando com seu discurso:
- Pois é, meu amigo. É que não tem adiantado.
- Mas é lá que a senhora deve ir. Porque o seu direito de reclamar termina onde começa o meu direito de vir pra cá aproveitar uma tarde relaxante na piscina. E aqui, gritando desse jeito, a senhora estragou a tarde de todo mundo. Tá sendo desagradável...
- Você é morador? - ela devolveu, também tentando me desqualificar.
- Sou e tenho o direito de frequentar isso aqui sem ouvir ninguém fazendo escândalo. Falando do rapaz deficiente como você falou, com um discurso cheio de preconceito babaca!
Dei as costas, já de saída.
- Você é um mal educado! Falou palavrão!
Voltei:
- Mal educada e preconceituosa é você! Babaca não é palavrão, mas todo preconceito é babaca sim!
Saí a tempo de ver o guardião da piscina piscar o olho e sorrir pra mim; aliviado por se sentir defendido. Também houve tempo de escutar as palmas das meninas que estavam sendo metralhadas verbalmente por aquele patético exemplar de uma elite que recrimina e discrimina as diferenças; de uma elite velha e imoral, que acha que seu dinheiro paga tudo e que, por isso, deve ter todos os privilégios de que sempre pode usufruir. Aquela mulher, achando-se uma espécie de socialite da Lapa, enfurnada no seu "Condomínio Club" diz muito do Brasil. Diz muito do que vemos na TV, lemos nos jornais e na internet. Diz, também, muito sobre quem se acha melhor pelo que tem e não pelo que é. Humilhando as meninas, o guardião da piscina, o jovem deficiente e sua mãe - que sequer estavam lá para que pudessem se defender - aquela mulher jogou na minha cara o que há de pior e mais triste na nossa sociedade; jogou na minha cara que parte considerável da classe média brasileira optou por ser, na verdade, uma classe medíocre.
Saí da piscina nervoso, boca seca. Mas estava bem cinco minutos depois, cercado de amigos e rindo. 
Leve, como sou e como acho que a vida deve ser. E aprendi que não dá pra tolerar intolerância. E que todos que pensam num mundo mais plural, comprometido com um ideal de sociedade mais justa e menos desigual não podem se calar diante dessas manifestações torpes do que pode haver de mais desumano. Não fiz isso apenas pelas meninas, pelo guardião da piscina ou pelo menino com deficiência; fiz por mim. Vê-los humilhados me fez mal. E acho que só assim, sentindo uns as dores dos outros, poderemos, unidos, materializar uma outra forma de existir em sociedade.
Meu domingo seguiu. Ela, quando a deixei, continuava só na piscina. Sozinha e amarga, destilando ódio e rancor. A continuar assim, vai acabar se afogando na própria desumanidade...

6.2.15

Sobre o meu convívio com os velhinhos atletas...

Uma velhice leve: colegas de academia mostram que, sim, é possível...

Venho de uma família grande, cheia de tias e tios avós e lembro bem de sempre ter gostado de conversar com eles, ouvir suas histórias deliciosas, aprender o que achava interessante e, às vezes, aprender como não queria ser. Ou seja: velhinhos sempre me sensibilizaram muito. Talvez até mais que crianças...  
Há duas semanas, mudei de academia e passei a fazer algumas atividades físicas novas. Entre as novidades está uma aula chamada hidro power. À primeira vista, ainda na borda da piscina, fiquei meio cismado. Muitas vovós e alguns vovôs dentro d'água; pulinho pra lá, levanta a perna pra cá, simula uma corridinha acolá. Enfim, parecia um exercício menos puxado do que aqueles aos quais eu estava habituado.
Pois bem! Comecei a primeira aula e, lá pela metade, já estava pra lá de ofegante. Meus companheiros, vovós e vovôs, também pareciam exaustos - embora realizem os movimentos com menor intensidade. Mas notei em todos uma alegria imensa, um prazer inquestionável por estarem ali, fazendo a aula e colocando o corpo em movimento.
Terminei a aula cansado - e seduzido o bastante para repetir a dose: fiz a segunda aula, a a terceira e, no fim da quarta, já no vestiário, notei que um dos meus companheiros de piscina assobiava uma melodia familiar: "As pastorinhas", que ouvi minha vó cantarolar algumas vezes na minha infância... 
No meio da minha chuveirada, dei risada. De início eu achei a situação um tanto quanto inusitada: não esperava terminar a noite com aquele senhorzinho cantando "lindos versos de amor" no vestiário. Mas logo me senti feliz por aquele senhor; feliz por sua alegria e feliz por ver que a velhice pode ser leve, produtiva, saudável e cheia de música. Depois, passado aquele impacto inicial, fiquei pensando na força daquela canção. Resolvi pesquisar um pouco quando chegasse em casa - o fiz e descobri que "As pastorinhas" foi gravada pela primeira vez há quase 81 carnavais! Que potência! O senhor que a cantarolava no chuveiro ao lado, aparentando uns 70 anos, certamente não era nascido na época. Herdou a canção dos pais, talvez. Como eu herdei da minha vó. E como talvez os netos dele também a tenham herdado.   
Terminando meu banho, sorri. Achei graça. Senti saudades.
E decidi: quero ser um velhinho como ele! 

28.1.15

O jeito nosso de cada dia...


Hoje, depois de longo e tenebroso inverno sem pegar um coletivo, retomei a relação com um exemplar da espécie. Tava tudo indo muito bem até eu perceber, menos de 100 metros depois do embarque, que o motorista simplesmente não conhecia o trajeto da linha. Mais: estava sendo guiado pelo cobrador.
Normal, pensei. Todo mundo precisa de auxílio quando começa num emprego novo. Relaxei. A viagem seguia com o trocador indicando os pontos para o piloto (esse é nosso! Nesse não, parceiro!) seguindo as indicações definidas pela prefeitura no tal do BRS - com o qual, aliás, também não tenho a menor afinidade, porque sou do tempo em que tudo que é ônibus parava em tudo o que é ponto, mas...essa é outra história...
Enfim, aquela espécie de curso prático de motorista seguia diante dos meus olhos quando, na Praia do Flamengo, veio o primeiro susto: o aprendiz de condutor queria fazer uma curva à esquerda - ignorando completamente o rumo a ser tomado. O cobrador, atento, corrigiu o equívoco e iniciou uma breve palestra sobre os limites de velocidade na praia do Flamengo. "Aqui é mais rápido andar de patinete ou carrinho de rolimão (sic) porque ninguém pode meter mais que 60", advertiu. Mas também não precisa andar a 30km/h, pensei, mas respirei fundo e me diverti com a situação. Primeiro dia, caramba. O cara tá inseguro. Super compreensível...
Eis que, no fim da Praia do Flamengo, o motorista novato não seguiu pela Praia de Botafogo. "Ih, me distraí, foi mal", gritou o cobrador-navegador, atrasado e ciente da confusão criada. 
- Que ônibus é esse, mermão? - berrou um passageiro.
- Não sabe dirigir, fica em casa! - advertiu uma senhora estressada e com voz de tenor.
- Pultaquimilpariu, resmungou o senhor que suava num terno no banco ao meu lado.
Não disse nada. A simpatia pelo motorista-de-primeira-viagem acabou, admito. Ele não tem culpa, claro. Mas não pode ser séria uma empresa - ou uma cidade - que permite uma situação dessas. Imagina um médico operando assim? Um engenheiro atuando assim? Não pode! Não dá!
"Quem quiser descer, desce aqui. É o jeito!", sugeriu o trocador, que também seria reprovado se estivesse sendo avaliado como formador de condutores. Puxei a cordinha e desci. Foi o jeito. O jeito que cada um de nós, o tempo todo, é obrigado a dar num país que se move aos trancos e barrancos; desprezando regras, leis, fluxos, processos; trocando tudo pelo jeitinho. 
Ê, Brasil...

13.1.15

Hildegard Angel, Silvia Pilz e as polêmicas do dia...


A produção de duas colegas de profissão assombrou boa parte do meu dia. Hildegard Angel escreveu em seu site sobre sua reação diante dos arrastões que enfeiaram o domingo de verão nas areias de Ipanema. Sob o impacto das tais cenas, a jornalista sugeriu que, em dias mais movimentados, ônibus vindos da Zona Norte fossem impedidos de chegar à Zona Sul. E mais: caso a medida não se mostrasse eficaz, Hilde defendeu a cobrança de ingresso para as praias do Leme, Copacabana, Ipanema e Leblon. Tá bom pra você?
Mas não parou por aí. Nas páginas de O Globo, Silvia Pilz publicou em forma de artigo um texto que mais parece saído de um dos monólogos de Caco Antíbes, o célebre personagem de Miguel Falabella no extindo "Sai de Baixo". Caco, vocês lembram, odiava pobres. E o texto da colunista faz crer que ela não está longe disso...
Enxovalhada pelas críticas, Hildegard Angel voltou ao site e escreveu o que, segundo ela, seria uma versão melhorada, com uma "revisão de conceito". Como os críticos não se calaram nem assim, a jornalista radicalizou: deletou a postagem e publicou no lugar a frase: "Acabou-se o que era doce, a vitrine cansou de levar pedrada por hoje...". Mas no facebook de Hilde, as pedradas continuam vindo de todas as partes.
Silvia Pilz não se manifestou. Em seu Facebook, respondeu a um dos (inúmeros) críticos dizendo que não se arrependia de "escrever com humor". Pois é, pode até ser, mas não prevejo uma noite fácil para as duas...
O meu assombro diante dos textos de Hildegard Angel e Silvia Pilz tem razão de ser. Sou mal acostumado, admito. Pequeno, lá pelos 9, 10 anos, lia Artur da Távola nas páginas do Caderno D de "O Dia", jornal que meu pai lia diariamente. No mesmo "O Dia", lia o Ronaldo Bôscoli falar de coisas que eu ainda não tinha maturidade pra entender perfeitamente. Mas lia. Admirava. Já devia ser um sinal da minha vocação esse apreço por quem sabia tratar bem as palavras...
Cresci lendo mais e mais. Maior - e, sobretudo, depois de já profissional - virei um fascinado pelos textos de gente como Veríssimo, Zuenir Ventura, Tutty Vasques, Xexéo, Dorrit Harazim, Elio Gaspari, Joaquim Ferreira dos Santos. Com o passar dos anos, tive a sorte de virar amigo de gente que já admirava pelo trato cuidadoso com as palavras, essa nossa matéria-prima tão cara. Gente como Fernando Molica e Flávia Oliveira. E, mais recentemente, tive a sorte de conhecer novos talentos desse gênero, como o Gregorio Duvivier. Por isso, sem sequer refletir sobre, associei desde sempre que colunista é aquele que tem o que dizer e sabe como dizer com clareza, beleza, respeito, coerência e ética. Colunista é quem tem compromisso com a sociedade; com sua melhora permanente; compromisso de combater preconceitos; de nos lembrar a todos dos momentos ruins que a história nos reservou para que possamos evitar vivê-los novamente lá na frente. Colunista é quem tem coragem de tocar nas velhas feridas sem que outras novas sejam abertas. Colunista é alguém que tem interesse por tudo. E que, exatamente por isso, parece-me um alguém sempre tão interessante... Triste constatar que, de uns tempos pra cá, pra ser colunista essas habilidades não parecem tão fundamentais. E mais triste ainda é perceber que esses profissionais que ocupam os espaços nobres dos jornalões influenciam tanta gente com seus textos cheios de preconceitos, estereótipos e desserviços. E depois os jornais não sabem de onde vem a onda crescente de insatisfação do público. Não sabem o porquê de estarem perdendo assinantes. E não sabem a origem da crise...

12.1.15

Sobre "Abraçar e agradecer", o show de 50 anos de carreira de MariaBethânia...


Quando chegaram ao fim os versos de "O que é, O que é", de Gozaguinha, eu me senti agradecido. Não pelo fim do show ou da música, mas por haver testemunhado um show tão comovente, tão delicado e poético. Mérito do talento e da trajetória de 50 anos - ora justamente celebrada - de Maria Bethânia, a maior intérprete desse nosso país de cantoras. Não quero dar detalhes, não quero estragar surpresas. Mas quero registrar aqui a lindeza desse espetáculo e a alegria de ver Bethânia em cena, senhora de si e dos palcos; menina que brinca e baila sobre o LED moderna com a desconfiança de quem ainda traz no peito, na alma e na voz o cheiro de mato e a poeira das estradas e das entranhas do Brasil sertanejo, baiano, tupiniquim. Brasil que dialoga com os orixás da África, com a canção de Piaf e com Clarice e Fernando Pessoa. Bethânia já era global antes de inventarem a globalização, porque nunca perdeu o laço que sempre a manteve unida a Santo Amaro da Purificação. Fala de todo o mundo, suas dores e amores, falando das coisas de sua aldeia. Voou alto esse carcará! E que siga voando e nos fazendo olhar sempre pro alto. Voando e nos levando. Voando e nos elevando. Salve Maria Bethânia, a mais brilhante das estrelas dos céus do Brasil!!! 

6.1.15

Esse nosso nós...

E vejo o teu sorriso; tradução da alegria, surpreendendo-me a todo tempo nessa enxurrada de pureza e doçura. 
Sinto seu abraço que, mais que o corpo, envolve e aquece a alma e o coração, a cada dia mais tocado e ocupado por você.
Provo teu beijo sereno, saboroso e delicado, que nunca cansa, que nunca é igual e que se repete sempre parecendo inédito. Parecendo o primeiro; o beijo inaugural de uma série de descobertas deliciosas que se escondem atrás de uma respiração, de um silêncio, de uma conversa, de um toque...
E então, dia a dia, vejo, sinto e provo o que é esse nós. O que somos. E aquilo em que poderemos nos tornar...