2.3.15

Rio 450: que cidade estamos celebrando?

O "meu Rio" passa por aqui. É alegre, festeiro e bonito. Tem problemas. Mas é real...
Ontem, primeiro de março de 2015, o Rio de Janeiro completou 450 anos. Mas, ao menos na maior parte dos jornais e do noticiário da TV, o aniversário parecia ser apenas de parte da cidade. Sim, a Zona Sul foi celebrada como a mais perfeita tradução da carioquice; como se o Rio estivesse limitado aos contornos da orla, aos calçadões, monumentos e postais das praias, praças e avenidas com os IPTUs mais caros da capital fluminense.
Sobre o Rio de Padre Miguel, Bangu, Realengo e Campo Grande não vi palavra. Santa Cruz? Nada! Valqueire, Irajá, Vaz Lobo, Méier, Senador Vasconcellos, Jabour, Sulacap, Campinho, Cascadura, Praça Seca, Freguesia...todos igualmente esquecidos. Pareciam partes de um Rio que pouco, quase nada tem a comemorar. Isso sem falar na Coreia, no Alemão, em Costa Barros, Vila Kennedy, Acari, Cesarão, Rio das Pedras, Engenho Novo; áreas de uma cidade que segue partida e que, sabemos, realmente têm poucos motivos para qualquer celebração.
Os jornais e as emissoras de TV até se esforçam, vez ou outra, mas em episódios como esse fica evidente o desconhecimento e a distância que suas redações conservam do Rio real; que está afastado dos pontos turísticos, dos lucros exorbitantes das empreiteiras sempre tão interessadas em obras faraônicas, dos homens e mulheres sarados que lotam as praias de segunda a segunda. Na TV, em geral, periferia só aparece quando o assunto é violência. E, uma vez por ano, no carnaval; quando o restante da cidade parece se lembrar  de que é das comunidades mais populares que emerge a mais genuína das expressões da cultura popular: o samba.
Lembro de um episódio que foi muito marcante na minha formação. Faz uns 10 anos. Eu já trabalhava na TV e me surpreendi com uma manchete em letras garrafais que estampava a página de um grande jornal. A notícia era um tiroteio no Leblon, "à luz do dia". Tiroteios são sempre assustadores, claro; não se pode tomá-los com naturalidade. Mas a razão do meu espanto era o tom da matéria; como se fosse aquele um fato inadmissível não pela violência, não pelo uso indiscriminado das armas, mas única e exclusivamente pela localização do confronto. Dava a clara impressão de que, fosse na Rocinha, na Taquara, na Ilha do Governador ou em qualquer área menos valorizada, o tiroteio seria aceitável; normal, até. Mas ali, no Leblon, talvez a poucas quadras dos apartamentos dos donos do jornalão; ali, não!
Fiquei chocado! E nunca vi o jornal dar o mesmo destaque a qualquer episódio semelhante acontecido no subúrbio, na zona oeste ou em áreas "menos nobres"
do Rio. Claro: o Rio, para eles, sempre foi o que está além do túnel.
Mas o Rio de verdade resiste, sem filtros embelezadores, sem photoshop e sem sair nos jornais. Resiste apesar dos políticos, apesar da violência, apesar dos autos de resistência que encobrem o extermínio de uma geração inteira, apesar do trânsito caótico, apesar dos serviços que só pioram, apesar da intolerância de quem invade e destrói terreiros por não aceitar a coexistência de outras crenças, apesar do ódio homofóbico que não percebe a inequívoca vocação deste lugar para o amor, apesar das balas - e de algumas esperanças - perdidas, apesar dos sonhos negados pra quem vem - e vive - nas periferias, apesar da especulação imobiliária e apesar da eterna despoluição da Baía de Guanabara; apesar de tudo isso, o Rio resiste! O Rio segue sendo a capital da beleza e do caos, segue com 40 (e tantos) graus, segue sendo a mais maravilhosa dentre as maravilhosas cidades do mundo. O Rio segue sendo meu orgulho, minha casa e minha paixão.
Parabéns, Cidade Maravilhosa! E que os próximos 450 anos sejam melhores para os cariocas de todas as partes...

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