Hoje entrei numa penitenciária. Não foi a primeira vez: em 2004 já havia gravado uma reportagem num dos presídios do Complexo da Frei Caneca, no Centro do Rio. No entanto, o know-how acumulado na experiência anterior não me valeu de muita coisa: sempre são tensos os momentos que antecedem a abertura dos portões e a entrada no pátio. Sempre causa um certo desconforto passar pelas galerias e ver os internos amontoados dentro das celas, braços dependurados pelas grades, olhares atentos aos movimentos dos visitantes.
Reviver essa situação hoje me deixou claro que, uma vez lá dentro, nossas idéias se transformam. Primeiro, porque vemos pessoas que poderíamos encontrar no ônibus, na fila do supermercado, no cinema. A tal "cara de bandido", que a gente tanto imagina, não existe. Segundo, porque a realidade dentro da cadeia não é - apenas - a que os jornais mostram...
Num instante, reencontro Edson, que havia entrevistado há 3 anos. Continua exibindo a mesma verve, a mesma articulação, o mesmo entusiasmo de quem, desde 2002, presta vestibular - e é aprovado. Edson aproveitou o tempo na penitenciária para se dedicar aos estudos. A Filosofia se tornou uma de suas grandes paixões e fez dele um fera na arte de argumentar. E na oratória também...
Depois, reencontro Paulo, que aprendeu a cantar e montou uma banda de sucesso dentro do presídio. Cheio de paixão ao falar de sua paixão pela música, ele tem um olhar que mostra também todo o sofrimento de quem passou 13, dos 34 anos, trancado. Os mesmos olhos que brilham ao falar da família - da mãe, em especial. Olhos cheios de dor, que vejo quando ele me diz que já conquistou o direito a uma condicional que a justiça tem demorado demais para lhe conferir. Olhos de quem agradece pelos poucos minutos de atenção que eu, verdadeiramente interessado, dedico à sua história. Olhos de quem tem tudo para caminhar por novos rumos quando deixar para trás os muros da penitenciária...
Dentro da escola que funciona na cadeia, encontro e converso com vários professores. Profissionais que, como eu, entram ali cheios de preconceitos, e logo são vencidos pela dureza do cotidiano do cárcere. E que logo descobrem a importância de mudar a forma como a sociedade enxerga as temáticas ligadas à população carcerária. "Em algum momento, a educação falhou com essas pessoas", me diz uma das educadoras. "A sociedade precisa nos enxergar como doentes que podem ser curados. Somos doentes morais", afirma um dos internos.
Ali do lado, numa aula de alfabetização, alunos escolhem a palavra que querem formar com letras recortadas de jornal. "Liberdade", eles escrevem. Desejo de todos, que poucos conseguirão alcançar, enquanto a sociedade continuar a negar - ou a não atentar para - a necessidade de ações que garantam (pelo menos) a possibilidade de reinserção social.
O resultado desse dia, as entrevistas e outras reportagens sobre o mesmo tema, gravadas no Rio, em Sampa e em Porto Alegre, você poderá acompanhar no "Salto", de 14 a 18/05, ao vivo, às 19h, na TV Escola (canal 27 da SKY). Na TVE, você pode acompanhar as reprises do programa, a partir do dia 15/05, às 9 da manhã.
2 comentários:
Murilo,
O seu texto sobre os presídios é impressionante. Foi exatamente esta sensação quando os visitei durante a viagem para esta série.
Parabéns!
Esta série está imperdível!
Abs
Gustavo
Valeu, Gustavão!
Volte sempre!
Abraço!
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