12.1.12

Sobre Dercy de Verdade...

As Dercys de mentirinha: Fafy Siqueira e Heloísa Perissé...

Venho de uma família na qual os palavrões são vistos com naturalidade. São parte do discurso oral, permeiam causos, piadas, conversas leves, desabafos. Não são ofensivos, porque, quando usados - e são muito! - jamais surgem com a proposta de melindrar alguém.
Acho que essa é a razão de, desde muito criança, admirar tanto Dercy Gonçalves. Ver aquela senhora na TV, tão deliciosamente anárquica e desbocada, produzia em mim uma sensação de identificação. Era como se Dercy fosse da família, agisse e se comportasse como nós. Com o passar dos anos, pude perceber que, além daquele escracho todo, a longeva atriz também trazia uma marca única! Entre todos os atores de comédia do país, Dercy se destacava: não há quem confunda o estilo dela com o de qualquer outro comediante brasileiro. E isso não é pouco...
Quando ela morreu, falei dessa admiração aqui.
Por isso, vi com entuasiasmo a iniciativa da TV Globo de produzir uma microssérie sobre a vida de Dercy. E como não poderia deixar de ser, a produção logo se revelou um programão. Primeiro, pela acertada escolha do elenco. Helóisa Perissé e Fafy Siqueira já demonstraram ter entrado em perfeita sintonia com a aura da personagem real, embora, em alguns momentos, Perissé soe um pouco caricata demais. Mas não é nada que comprometa seu desempenho, convincente tantos nos momentos de comédia como nas cenas dramáticas.
Em cena, Fafy resulta curiosa: célebre pelas imitações de outro grande humorista, Ronald Golias, ela parece personificar a cruza desses dois gênios do humor nacional. E o resultado é perfeito: o tempo, a respiração, o jeito ansioso e as famosas repetições de palavras, marcas das falas de Dercy, estão todos na tela.
A anunciada utilização dos palavrões nos diálogos foi mesmo um acerto. Alguém seria capaz de imaginar uma Dercy pudica? Além disso, pesa a favor do roteiro o fato de, ao menos até o momento, esses palavrões não terem surgido gratuitamente na tela. São usados com perspicácia, pontuando falas naturalmente, como bem sabe quem tem o hábito de utilizá-los na vida real. 
O ponto negativo, a meu ver, é a opção por um formato tão micro. Mostrar 101 anos de vida em quatro capítulos está longe de ser tarefa das mais simples e, mesmo com todo o talento e a competência da dupla Maria Adelaide Amaral e Jorge Fernando - autora e diretor da série - os capítulos têm apresentado um ritmo acelerado demais, e episódios interessantes da vida da estrela passam na tela sem maiores explicações - o que ficou ainda mais evidente no segundo capítulo, exibido ontem. Deixa gosto de quero mais, o que talvez seja interessante, uma vez que o resultado das gravações será transformado em um filme previsto para estrear em 2013.
Apesar do ritmo frenético, considero Dercy de Verdade uma das boas surpresas desse início de ano televisivo. Uma homenagem justa e merecida, a começar pela excelente abertura da série, na qual Dercy aparece como o primeiro nome do elenco. Um reconhecimento para a estrela que, nos últimos anos de sua longa trajetória, acabou por ficar rotulada como a velhinha sem-vergonha e desbocada que aparecia na TV dizendo cobras e lagartos. Dercy foi muito mais que isso. E, felizmente, ainda que de maneira tão veloz, o público está podendo descobrir.

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