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Cinco meses depois das eleições, eleitores ainda se digladiam como se Dilma e Aécio ainda estivessem disputando. E o país só perde com isso... |
E nos últimos dias, reeditando um triste fenômeno que muita gente pode vivenciar durante os meses da última campanha eleitoral, as redes sociais voltaram a se transformar num campo de batalha. E não me utilizo de uma figura de linguagem; não se trata de uma metáfora, uma vez que a luta não se dá no campo ideológico. São ofensas, agressões, insultos e arranca-rabos de todos os graus. Tem de tudo, menos maturidade...
A cena política brasileira se converteu nos últimos tempos numa espécie de 8 ou 80 que, além de limitador, só tem empobrecido o diálogo e impedido o avanço do país - e do pensamento. E, pior do que isso: diante dessa polarização, os dois lados passaram a contar com defensores / torcedores apaixonados, que tratam o país como um grande campeonato de futebol; ignorando a premissa básica de que, nesse caso, todos os brasileiros deveriam lutar por um objetivo comum e que, assim sendo, a vitória não seria de eleitores do PT ou do PSDB, porque um Brasil melhor, de pé, será melhor para todos nós.
Atribuir a um partido a responsabilidade pelos males do país - sobretudo o mais grave deles, a corrupção - é, com boa vontade, ser desonesto. Desonesto com a história, com os fatos que a escreveram e continuam a escrevê-la e com aquilo que, se ainda não é, deveria ser do conhecimento de todos: não se pode estipular uma data de início da roubalheira em nosso país. Por quê? Porque aqui, infelizmente, sempre se roubou. E muito! Ou alguém se esquece que fomos uma colônia de exploração e que, portanto, o que aqui se obtinha não era aplicado em benefício do novo território e de seu povo? Se os barões contemporâneos mandam seus dólares por vias escusas para os paraísos fiscais, séculos atrás era o império a abrir a boca pra surrupiar as riquezas aqui extraídas. Não me parece estranho supor que essa lógica tenha se cristalizado e, repetida geração após geração, tenha acabado por parecer natural.
Ainda nessa perspectiva histórica, que tal se dermos um salto no tempo rumo a um passado menos remoto? O passado da ditadura militar. Censura ampla, geral e irrestrita; sindicatos e organizações privados de um funcionamento livre, imprensa amordaçada. É possível crer que não se roubava nessa época? É aceitável a ideia de que, num cenário em que sequer era fiscalizado pela imprensa e por outros organismos, o governo agia com retidão? Desculpem-me, mas pensar assim me parece inocência. Ou ignorância. Ou, reafirmo, desonestidade! E não me venham falar que o país era melhor naquele sombrio período em que os opositores eram mortos, desaparecidos, presos, expatriados, silenciados! Época em que, como vira e mexe lemos, a silenciada corrupção já levava muito.
Hoje, temos um país aberto, democrático. Uma imprensa livre - e questionável, claro. Avançamos nesses dois pontos mas, no terreno da política, a época ainda é a das cavernas. Enquanto parlamentares querem definir o conceito de família seguindo preceitos religiosos; enquanto há uma bancada da bala no parlamento; enquanto um deputado ofende mulheres, negros e homossexuais sem que nada lhe aconteça; enfim, enquanto tudo isso tomou de assalto os noticiários, Brasília foi virando uma espécie de pastiche de si mesma. O congresso, eleito para nos representar, não teve pudores de negar qualquer movimento favorável a maior participação popular nas tomadas de decisão. Congressistas também não tiveram vergonha de dizer não a um plebiscito que envolvesse a sociedade na construção de uma reforma política. Ou seja: em dois casos - e há outros - não houve a menor disposição em sequer disfarçar que os desejos da sociedade não lhes interessam. E a nós?
Bem, nós nos calamos.
Nós vergonhosamente, covardemente e tristemente nos calamos!
Iniciado o segundo mandato de Dilma, as medidas impopulares vieram. Eram favas contadas, como sabiam - e defendiam - todos os economistas. Era o que havia por ser feito. Era o que Aécio também faria - e talvez, sob o PSDB, o país viria a experimentar um ajuste ainda mais rigoroso.
Pois bem: era o que pedia o mercado. Era o que faria a oposição. Era o que teriam os eleitores do candidato tucano. Dilma fez. Resultado: o mercado, a oposição e os eleitores de Aécio se voltaram contra o governo. Setores da mídia, mais raivosos que qualquer partido de oposição, também se voltaram contra o governo. Não dizem, mas tá na cara! Tá nas manchetes, tá nas fotos, tá na cara dos colegas que emprestam seus corpos e vozes para que os donos da informação digam e defendam o que querem. O que querem pra si e o que querem nos fazer crer que também queremos. E nós?
Bem, alguns de nós bateram panelas.
Sim, alguns de nós, vergonhosamente, covardemente e ridiculamente batemos panelas!
Os jornais não dizem isso claramente, mas as panelas estridentes não ressoaram nas periferias. Talvez por lá estivessem todas cheias na noite do último domingo. Talvez as classes mais populares não tenham tantos motivos para protestar contra o governo. Talvez as classes mais populares tenham entendido que as eleições acabaram e que o momento é de trabalhar - governo e sociedade - para que o país entre novamente nos trilhos. Talvez as classes mais populares não engulam tão facilmente a ideia de que "nunca se roubou tanto no país" porque nos últimos anos, como indicam todos os índices, pela primeira vez em nossa história lhes tenha sido oferecido uma parte do bolo do crescimento da economia brasileira.
Agora, enquanto informam, jornais e TVs reforçam a existência de uma "grande manifestação" marcada para o próximo domingo, num explícito exercício de futurologia, uma vez que não se deveria adjetivar uma manifestação que ainda não se concretizou, ainda não ocorreu. Tempos estranhos...
É óbvio que o clima não é bom. É óbvio que a popularidade do governo está em xeque, sobretudo depois das tais mudanças impopulares - que não têm esse nome aleatoriamente. Mas também me parece óbvio que há um movimento oportunista que quer se valer disso para desestabilizar ainda mais o andamento do país; sim, porque desestabilizar um governo é comprometer o andamento do país. Mais que isso: esse movimento se aproveita da notória carência de formação ( e informação) política de grande parte do eleitorado.
O fato é que temos um sistema político viciado em corrupção e uma população que centraliza suas expectativas e cobranças no Executivo, sem dar a menor importância ao Legislativo. Depois, quando vem à tona um escândalo que apenas confirma aquilo de que todos sempre desconfiavam, a conta toda é jogada no Planalto. Talvez porque seja mais fácil. Talvez porque não se tenha cultura política para envolver toda a sociedade na fundação de um novo modelo. Talvez porque estejamos contaminados demais pelo imediatismo, por essa onda tão descartável; não serve, troca. E aí vai desde o celular até a presidência da república. Não sou a favor do "Fora, Dilma", não fui a favor do "Fora, Lula" e nem do "Fora, FHC". Democracia não é Lego, não dá pra agir montando e desmontando cenários.
O Brasil precisa amadurecer muito e a conjuntura atual só reforça isso.