Desde as manifestações de junho de 2013, o trabalho da imprensa vem sendo muito questionado. Algo salutar, claro. Sociedade democrática é aquela que tem imprensa livre e que conta com uma pluralidade de vozes. A cobertura pensada por grandes veículos, aliás, foi muito criticada por colegas da própria imprensa, que também atentavam para uma morosidade de jornais, rádios e emissoras de TV em "ler" o que vinha das ruas. Termos como "vândalos", inicialmente utilizados amplamente, deram lugar a palavras como "manifestantes", "ativistas" e afins. Os tumultos ocasionados nas passeatas continuaram a ser mostrados nas matérias, que, no entanto, passaram a diferenciar quem reivindicava melhorias para a sociedade de quem estava nas ruas para depredar patrimônio público e/ou privado. A violência policial - que atingiu repórteres, cinegrafistas, fotógrafos e muitos manifestantes - também foi vastamente denunciada pelos grandes veículos de comunicação, bem como por aqueles que faziam, nas ruas, cobertura em tempo real do que acontecia a cada protesto.
Num desses protestos, Santiago Andrade, cinegrafista a serviço da Band, foi alvejado e acabou morrendo. O rojão, segundo a polícia, foi disparado por jovens que manifestavam. Os jovens foram encontrados, presos e acusados formalmente pelo homicídio. E esse episódio inflamou ainda mais os ânimos. A imprensa passou a ser cada vez mais intimidada a cada nova passeata, a cada manifestação. Vários colegas foram agredidos, tiveram seus equipamentos danificados. Carros de emissoras de TV foram incendiados; num confronto que, a meu ver, expõe o fraquíssimo alicerce sobre o qual está erguido o conceito de democracia defendido pelos manifestantes.
Vale dizer que, à essa altura, as passeatas já não mais reuniam 1 milhão de pessoas. Os ativistas diziam que a "mídia comercial" ou "mídia tradicional" tentava esvaziar as manifestações. O fato é que as imagens de violência praticada por jovens com os rostos encapuzados assustaram a sociedade - e, desculpem os críticos da mídia, se elas foram captadas e transmitidas, é porque eram registros de fatos! A morte de Santiago não foi fruto da maquinação de um roteirista. Os incêndios e depredações não são fruto da criatividade do departamento de efeitos especiais de nenhuma emissora de televisão, sabemos todos. Infelizmente.
Acontece que, à medida em que o clima ia se tornando mais belicoso, a atual diretoria do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio parecia mais acovardada em assumir que os profissionais da imprensa estavam sendo hostilizados, ameaçados e agredidos enquanto exerciam seu ofício. A direção do sindicato divulgou uma série de notas que mais confundiram do que explicaram. Notas em que pouco - ou quase nada - defendeu a categoria a qual deveria representar. Uma crônica de equívocos que teve o ápice na semana passada, com uma entrevista coletiva de ativistas - e pais de ativistas - realizada dentro da sede do sindicato, um dia depois de mais um episódio em que manifestantes usaram de violência para impedir o trabalho da imprensa. Dentro do sindicato que lhes deveria representar - e defender - jornalistas ouviram impropérios e ameaças de jovens e de seus familiares. Um episódio lastimável, que virou notícia e teve grande repercussão, dado o absurdo da situação.
Hoje, um grupo de jornalistas se uniu para pedir a destituição da atual diretoria do sindicato. O grupo utiliza um abaixo-assinado, instrumento legítimo, democrático e, assim, procura exercer o seu direito de ter uma direção que faça valer a confiança e que exerça, de fato, seu poder para representar os interesses da categoria. Assinei, apoio e torço muito para que tenhamos sucesso nessa empreitada.
Li algumas críticas ao momento que vivemos. Críticas ao abaixo-assinado, críticas ao fato de se querer destituir uma diretoria democraticamente eleita (acho que os críticos se esquecem de que se isso fosse ilegítimo, o país não teria afastado um presidente). Gente que respeito e admiro. Gente que defende a democracia, como eu. Mas gostaria de ver essa mesma gente se posicionar sobre as agressões aos jornalistas. Isso é democrático? É legal? É justo? Gostaria de ver essa mesma gente que cobra a retidão da polícia e do inquérito que investiga as manifestações - ideais que também defendo - dizer se acha mesmo que a melhor forma de criticar o trabalho da imprensa é descendo a porrada em seus profissionais. Gostaria de ver essa mesma gente que está defendendo ativistas - como se fossem todos muito inocentes - se posicionar sobre os comerciantes que tiveram suas lojas saqueadas e incendiadas nas manifestações. Isso pode? Isso é legal? É nessa mudança de mundo que se quer acreditar? É assim que se quer construir uma sociedade mais justa e democrática?
Se for, não acredito nesse novo modelo! Acredito em diálogo, democracia e em instituições sólidas; como a imprensa livre e a justiça. Instituições que estão longe da perfeição, é bem verdade, mas que podemos ajudar a aperfeiçoar cotidianamente, usando nosso poder de argumentação, nosso dinheiro e nosso controle remoto. Não gosta do jornal, não leia! Não concorda com a linha editorial da emissora de TV, não assista! Não assine seus canais fechados! Vá se informar pela "mídia independente". Ferindo os grandes grupos no bolso, talvez seja possível pressioná-los a rever suas linhas editoriais. Agora, se você relativiza tapa na cara, xingamento e soco em profissional da imprensa e continua vendo novela, BBB e o raio que o parta, aí você é um revolucionário de sofá. E eu lamento muito! Porque pode chegar o dia em que a sua profissão esteja em xeque e algum manifestante se ache no direito de dar na sua cara para protestar. Será o dia em que você estará colhendo os frutos podres no quintal da sociedade escrota que ajudou a construir...