Polêmica envolvendo questão que trazia versos de funk aponta para a necessidade de nossa sociedade dar tiro, porrada e bomba no preconceito... |
Desde ontem só se fala nisso no Facebook. A prova de filosofia aplicada pelo professor Antonio Kubitscheck, do Centro de Ensino 3 de Taguatinga, em sua turma do 3º ano do Ensino Médio. Uma foto postada nas redes sociais trazia uma questão em que os alunos precisavam escolher a alternativa que completasse os versos do sucesso "Beijinho no Ombro", da funkeira carioca Valesca Popozuda. Pronto! Foi o bastante!
Li muito sobre o assunto, fiz alguns posts sobre o caso, mas o Facebook não serviu para extravasar tudo o que penso sobre o caso. Não é de hoje que entrevisto professores e pesquisadores que relatam um fenômeno: nossas escolas - e não falo apenas das brasileiras, muito menos só das públicas - parecem instituições do século XVIII. Paradas, imutáveis, as escolas não têm conseguido despertar o interesse de jovens extremamente conectados, capazes de desempenhar várias tarefas ao mesmo tempo, cada vez mais autônomos nos seus processos de desenvolvimento de habilidades múltiplas. Parece bobagem? Não é! Essa realidade implica numa longa, séria e necessária discussão sobre o papel da escola do nosso tempo; sobre a atuação do professor e sobre que tipo de cidadãos queremos formar.
Pois bem, muitos desses mesmos especialistas assinalam para a importância de que o professor esteja sensível à realidade do aluno. Onde vive? Como vive? Quais são seus gostos? O que consome em termos de cultura? Que cultura produz/reproduz? Para esses pesquisadores, somente por meio do real entendimento do aluno e da realidade em que ele está inserido será possível que o professor estabeleça um diálogo, capte o interesse de crianças e jovens e possa, enfim, desempenhar seu papel educativo. O professor, entende-se, não é mais um transmissor de informações. Ele é mediador! Ele está entre o aluno e o conhecimento. E não há mediação sem troca, sem partilha. Trata-se de um processo permanente em que os sujeitos dão e recebem; dividem saberes para somar conhecimentos.
Portanto, minha gente, o que o professor Antonio Kubitscheck fez de errado? Ao julgar seu trabalho por um recorte descontextualizado de um teste, erramos todos nós. O professor pode estar brincando? Pode! Aquela pode ter sido uma espécie de "pegadinha"? Sim! Mas também pode ser parte de uma ampla discussão travada em sala de aula. Sobre cultura, sobre a banalização da violência - já que os versos falam sobre "tiro, porrada e bomba", sobre...o que os alunos ouvem. Ou seja: pode haver ali uma discussão muito mais ampla e rica do que essa rasa argumentação de quem acha que "escola não é lugar de ouvir ou de falar de Valesca Popozuda".
A própria cantora se defendeu nas redes sociais. Sagaz, apontou o dedo para a ferida: há muito preconceito envolvido nessa discussão. Se fosse qualquer outra letra, de qualquer outro estilo musical, muito provavelmente a repercussão não seria essa. Acrescento: certamente não seria lançado sobre o trabalho do professor esse olhar pejorativo que paira desde que a notícia ganhou espaço nas redes e nos grandes portais noticiosos. Quem nunca fez uma prova em que um trecho de música tenha sido parte de uma questão que atire a primeira pedra! Ou que dê o primeiro tiro, porrada...ou jogue a primeira bomba!
"Ah, mas isso não é música que preste", dirão alguns. "Isso não é música", afirmarão outros. "Valesca Popozuda é ruim demais, não é cultura", sentenciará outra parte. Aí é que mora o perigo. Tratar o popular e o erudito segundo uma lógica hierarquizada é um equívoco histórico, que traz mais prejuízos que ganhos. A escola pode - e, a meu ver, deve - discutir Valesca Popozuda, Anitta e o que mais vier para dentro do seu cotidiano. É essa a realidade em que muitos dos alunos estão inseridos. Conhecer essa realidade, respeitá-la e, a partir dela, abrir um canal para apresentar outras manifestações da cultura é o caminho para que o professor consiga ter êxito em seu diálogo com os alunos. Mostrar que as expressões da cultura popular são reconhecidas na escola pode contribuir para que a sintonia com os estudantes seja, pouco a pouco, reconquistada. Ninguém gosta de se sentir menos, de se sentir menor. Imaginem como se sentem os alunos que percebem que seus gostos, suas músicas, suas preferências e seus hábitos são considerados "de um nível inferior" no cotidiano escolar...
Por fim, um alerta: essa história toda mostrou muitos críticos, muitos juízes, muitos dedos apontados, ávidos por condenar o professor e por definir o que é cultura. Vi gente que, como eu, também veio das classes populares, de família simples, virar as costas para essas origens e descer o sarrafo no que vem do povo. Turma, se preconceito já é terrível quando parte de quem não conhece a realidade em questão, pra mim, torna-se ainda pior quando vem de iguais. E mais: torna-se ainda mais cruel quando quem condena não tem elementos, conhecimento e informações suficientes para opinar. Educação é coisa séria! O professor é um profissional sério, merece respeito. Estudou para estar ali. Condenar esse profissional e seu trabalho sem sequer ter elementos para tanto é, esse sim, um enorme sinal de falta de preparo, falta de cultura e falta de educação. Sinal de que a escola em que vocês estudaram pode até não ter utilizado versos da Valesca Popozuda em provas, mas, certamente, pecou na construção de alguns valores fundamentais.
PS.: Beijinho no ombro.
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