15.3.12

PARTE 1: Desce!

Sorrateiramente, como quem não quer se deixar perceber, fecha o grande portão. Guarda o molho de chaves no bolso e chama o elevador. Faz frio, o vento é constante e sacode sua barba e a vasta cabeleira branca. Há uma névoa seca e densa no ar. Enquanto espera, caminha de um lado para o outro, cruza e descruza os braços, estala os dedos e faz todo o possível para atenuar a ansiedade daquela espera.
Está exausto. Não tirava férias há milênios e aquela “escapadinha” seria providencial. Deu-se ao luxo de não pensar no destino dos negócios, não queria se preocupar com nada. Cercou-se de todos os cuidados para que seu destino não fosse descoberto e para que a sua fuga, portanto, não pudesse ser evitada.
Foi quando o elevador chegou. As portas se abriram e Gabriel, o ascensorista, nada perguntou. Em muitos anos naquele posto, aprendera que a discrição era um valor imprescindível: nada de olhares, nada de perguntas, nada de conversa! Gabava-se, inclusive, de sequer prestar atenção na fisionomia de seus passageiros. E não foram poucas as vezes em que transportara gente famosa...
Poucos instantes se passaram até que a porta se abriu. O calor que vinha lá de fora assustou o passageiro, mas não chegou a surpreendê-lo. Saiu do elevador e logo seus pés estavam sobre aquelas areias alvas, escaldantes. A luz era abundante e o som das ondas batendo na arrebentação soava como música em seus estressados ouvidos, surpreendidos com aquela voz que não escutava há tempos... 
- E então você veio mesmo! 
- Ãhn...sim, sim! E agradeço-lhe pela gentileza. Como você sabe, eu...
- Não precisa agradecer nada, meu camarada! Talvez você finalmente ser convença de que aqui é bem melhor que...
- Por favor, caríssimo! Não vamos começar a falar disso, certo? 
- Está bem, está bem! Bom, então venha comigo! Vou te mostrar que beleza é isso aqui! 
- Sim! Está tudo muito bonito! Não venho aqui faz séculos... 
- E não sabe o que está perdendo! - disse o anfitrião, colocando o braço tatuado em volta dos ombros do visitante e dando início a uma animada conversa.
Era muita gente! Corpos bem torneados, bronzeados, expostos ao sol e à toda beleza daquele verão que parecia jamais ter fim. A paisagem também era perfeita para um período de férias: céu azul, sem nuvens, mar calmo e verdinho, coqueiros muito altos e uma brisa incessante – bem quente, é verdade. Enquanto ouvia o que dizia o anfitrião, passou a observar várias placas colocadas no início da faixa de areia. O local estava muito bem sinalizado, pronto para receber turistas das mais variadas procedências: Strand der Hölle, sinalizava uma. Outras quatro indicavam, respectivamente: Παραλία της Κόλασης, شاطئ من الجحيم , חוף הגיהנום e ساحل جهنم. Achou curiosa toda aquela diversidade de idiomas: Bãi biển của địa ngục, नर्क का समुद्र तट, Plage de l'Enfer...parecia ter entrado numa espécie de Babel litorânea, com línguas dos mais diversos tipos e lugares! Strand van Hell, Hell's beach, continuavam as placas, até que seu bronzeado guia anunciou:
- Chegamos, meu Senhor! Seja bem-vindo às férias na praia!
- Pelo Meu amor! Ainda não acredito que vou passar férias aqui!, respondeu o ilustre convidado, quando pararam diante da última placa, na qual se podia ler:

PRAIA DO INFERNO


continua >>>

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