Minha admiração por Michael começou, claro, pela música. Também já contei aqui do fascínio que seus clipes despertavam quando eram lançados no Fantástico, nos idos dos anos 80/90. Mas, conforme os escândalos passaram a ganhar mais espaço na vida do artista, sua personalidade e os fatos que o cercavam passaram a parecer tão interessantes quanto a própria obra que havia sido construída por ele. O Rei do Pop vivia num mundo em que tudo era superlativo: o sucesso, a fama, a ruína, a bizarrice e a loucura. Ninguém fez tanto sucesso quanto ele em todo o mundo. E, proporcionalmente, ninguém teve a vida tão vasculhada, ridicularizada e exposta...
A primeira biografia que li, logo depois da morte de Jackson, foi "Michael Jackson - a magia e a loucura", de J. Randy Taraborrelli. Foi uma leitura agradável, que me apresentou ao (controverso) universo do artista que mudou de cor diante dos olhos de todo o planeta. A segunda biografia, "Meu amigo Michael", de Frank Cascio, foi um relato mais afetivo, de alguém que conviveu com o Rei do Pop muito proximamente. Frank Cascio foi uma das crianças que o mundo se habituou a ver cercando Michael Jackson onde quer que fosse. Mais que isso: a família Cascio era uma espécie de família adotada pelo artista, diante da impossibilidade de qualquer relacionamento minimamente convencional com os demais Jacksons. Por ser escrito por alguém que viveu tão perto do popstar, o livro é mais emotivo, oferece uma pintura mais sentimental, que nos ajuda a entender como deve ter sido difícil ser Michael Jackson.
Pois bem. Agora estou às voltas com "Intocável: a estranha vida e a trágica morte de Michael Jackson", de Randall Sullivan, jornalista americano que iniciou o texto como uma reportagem para a revista "Rolling Stone". Diante do imenso volume de acontecimentos que marcaram os 50 anos vividos pelo personagem principal do que seria a matéria, Sullivan se viu obrigado a contar tudo sem as limitações de espaço impostas por uma revista. O resultado? Uma obra de quase 900 páginas - 129 delas de referências bibliográficas e outras 32 de fotos. Pra mim, o maior, mais completo e mais fascinante trabalho de pesquisa sobre a vida do artista.
O autor optou por não obedecer a uma ordem cronológica ao construir sua narrativa - o que, a bem da verdade, pode confundir leitores mais dispersos. Mas o resultado é um texto fluido, saboroso, e rico em detalhes - alguns, assustadores! Quem poderia imaginar que o homem mais famoso do mundo tinha um pote de vidro cheio de próteses de nariz, cercado por tubos de cola, em seu quarto? Segundo Sullivan, Michael tinha as próteses porque lhe faltava o nariz original, arruinado depois de uma série de sucessivas rinoplastias cujo número sequer se pode precisar. Ainda no campo das plásticas, o livro contabiliza que, num período de 10 anos, o Rei do Pop alterou cirurgicamente a própria fisionomia entre 10 e 12 vezes - algumas vezes, com um intervalo de poucas semanas entre uma intervenção e outra. No texto, o leitor descobre que a pele de Michael esteve tão sensível que, num acidente doméstico enquanto brincava com um dos filhos, seu lábio simplesmente "desabou"ao ser atingido.
Mas os detalhes não se limitam à estranha obsessão do astro com sua aparência - numa busca irrefreável para apagar qualquer traço que o fizesse enxergar o pai ao se olhar num espelho. "Intocável" também apresenta elementos que permitem compreender como a família era vista por Michael, ao descrever as inúmeras vezes em que o artista se recusou a receber parentes em sua casa. Ou ao detalhar como ele orientava membros de seu staff a impedirem a aproximação de familiares; à exceção da mãe, por quem nutria uma espécie de idolatria. O livro também descreve como a família enxergava Michael Jackson e, nesse aspecto, a declaração de um dos entrevistados é definitiva: "Eles o viam como um caixa eletrônico!". Impactante, a frase me pareceu ganhar ainda mais sentido em uma passagem em que o autor revela que, para comparecer a um show em homenagem aos 30 anos de carreira do Rei do Pop, pais e irmãos de Michael exigiram o pagamento de cachês milionários; mesmo para os familiares que iriam apenas sentar na plateia do Madison Square Garden para ver a apresentação.
A amizade com Liz Taylor também é tema de passagens interessantes, em que é possível perceber que, por mais que amasse o amigo, a eterna Cleópatra parecia gostar muito mesmo dos presentes caríssimos que ele lhe dava. E esse é um dos pontos que permitem entender como, surpreendentemente, um artista tão rentável como Michael Jackson mergulhou numa profunda e inacreditável crise financeira a partir de meados dos anos 90. Às voltas com ações judiciais de toda ordem, acordos milionários para livrá-lo de processos e dívidas que cresciam abastecidas pelo seu oneroso - e insustentável, mesmo para ele!!! - padrão de vida, Michael Jackson chegou a ter seu único cartão de crédito - sem limites - bloqueado pela American Express, o que o obrigou a passar uma temporada escondido em New Jersey, morando de favor com os filhos na casa da família Cascio - aquela do autor de uma das biografias que citei nesse post. O endividamento crescente, aliás, foi o grande argumento para que sua equipe convencesse o astro a voltar aos palcos para uma série de 10 shows na O2 Arena, em Londres, no verão de 2009. Michael demorou a concordar - estar no palco não era mais algo que o atraísse minimamente. Foi confrontado pelos administradores de sua carreira - e de suas dívidas - que provaram que os shows eram a única saída para evitar a falência e a liquidação de seu patrimônio - que incluía o catálogo dos Beatles. Com o aval de Michael e diante da demanda pelos shows, os empresários fizeram novos cálculos e concluíram que, para serem realmente lucrativas para o artista, o número de apresentações deveria ser aumentado para 45. Michael quase desistiu da empreitada e só assinou o contrato depois de saber que Prince, por quem nutria uma estranha rivalidade, já tinha feito uma temporada de 21 shows na arena inglesa. E assim nasceu "This is It", a turnê que foi sem nunca ter sido.
Foi nessa negociação envolvendo os shows em Londres que Michael exigiu, em contrato, o acompanhamento de um médico pago pelos contratantes. Hipocondríaco e viciado em analgésicos, o cantor mais famoso do pop mundial também é descrito no livro como alguém capaz de tudo para conseguir as drogas que o faziam sentir melhor; o que envolvia um sofisticado sistema de aquisição de receitas, prescritas para pacientes de variadas identidades. O abuso das drogas - sobretudo dos analgésicos - levou Michael a uma dependência que, muitas vezes, o deixava com a expressão indiferente; como se não estivesse conectado à realidade. E que, em junho de 2009, foi decisiva para abreviar uma carreira que tentava se reconstruir, depois que a arte cedeu o lugar para os escândalos na vida de Michael Jackson...
Ainda não terminei o livro, mas tô realmente gostando muito! E se você também gosta do Rei do Pop, recomendo!